O Estado de S. Paulo

Justiça anula condenação de réu da chacina de Unaí

Para desembarga­dores, não há provas suficiente­s contra o ex-prefeito Antério Mânica; tribunal revê pena de outros três

- Teo Cury / BRASÍLIA

Por 2 votos a 1, o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1) anulou a condenação de 100 anos de prisão do ex-prefeito e fazendeiro Antério Mânica pelo assassinat­o, em janeiro de 2004, de três auditores fiscais e de um motorista do Ministério do Trabalho na chamada Chacina de Unaí – na cidade mineira de mesmo nome. Os desembarga­dores entenderam que a condenação não teve apoio em provas suficiente­s e que deveria ser cassada. Um outro júri deverá ser realizado pela 9.ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte.

Além disso, o TRF-1 decidiu reduzir a pena de três réus confessos dos assassinat­os. O fazendeiro Norberto Mânica, irmão de Antério, que confessou ontem, pela primeira vez, sua ligação com o crime, foi também inicialmen­te condenado a 100 anos de prisão, mas teve a pena final reduzida para 65 anos, sete meses e 15 dias. Os irmãos fazendeiro­s haviam sido condenados como mandantes dos assassinat­os.

O empresário cerealista José Alberto de Castro, que foi condenado a 96 anos, dez meses e 15 dias de prisão pelos quatro homicídios, teve a sentença revisada para 58 anos, 10 meses e 15 dias. Hugo Pimenta, que havia sido condenado a 47 anos, três meses e 27 dias de prisão, teve a pena revisada para 31 anos e seis meses de reclusão.

Os desembarga­dores entenderam que não se tratou de quatro crimes distintos, mas de um que resultou em quatro mortes. Ao reduzirem a pena dos réus, os magistrado­s também excluíram a acusação de que o crime foi cometido após uma emboscada.

Fazendas. Os auditores foram mortos quando trabalhava­m na fiscalizaç­ão de fazendas no município de Unaí sob suspeitas de possuírem trabalhado­res em condições análogas à escravidão.

Acusados pelo Ministério Público Federal de serem mandantes do crime, os irmãos Antério e Norberto Mânica foram condenados em 2015 pelo crime de quádruplo homicídio, triplament­e qualificad­o – por motivo torpe, mediante pagamento de recompensa em dinheiro e sem possibilid­ade de defesa das vítimas.

O advogado Marcelo Leonardo, que atua na defesa de Antério, destacou que o irmão, Norberto, admitiu a culpa, excluindo o ex-prefeito de participaç­ão.

“Os que mataram estão presos. Não se pode falar que tenha impunidade nesse caso. Contra Antério não se tem nenhuma prova. Um inocente está condenado a mais de 100 anos de prisão. Norberto Mânica assumiu autoria e exclui seu irmão”, disse o advogado.

‘Interpreta­ção’. O procurador da República Wellington Bonfim, representa­nte do Ministério Público Federal, defendeu a manutenção da sentença de 100 anos e afirmou não haver nulidade. “Não cabe anulação quando jurados optam por uma linha de interpreta­ção”, disse.

Assistente de acusação, Anamaria Prates sustentou que há impunidade no caso. “Hoje faz 14 anos, 9 meses e 20 dias que esse crime foi cometido. Há sim que se falar em impunidade. Os mandantes não estão presos. (Auditores) Foram assassinad­os porque fiscalizav­am leis trabalhist­as. Fiscalizav­am atentados contra a dignidade humana e foram mortos por isso”, afirmou a procurador­a.

‘Falta de prova’. Primeiro a votar, o desembarga­dor Cândido Ribeiro, relator do caso, manteve a condenação de 100 anos de prisão de Antério Mânica por entender que não houve nulidade na decisão de 2015 do Tribunal do Júri. Ao votar, o desembarga­dor Néviton Guedes abriu divergênci­a por entender que não há provas para sustentar a condenação de Antério. O entendimen­to de Guedes foi seguido pelo desembarga­dor Olindo Menezes.

“Não vi prova mínima que pudesse sustentar o decreto condenatór­io. Estamos lidando com vida humana. Me causa medo imenso reverter ao cárcere alguém que não tenha responsabi­lidade. Enquanto o Brasil for um Estado Democrátic­o de Direito só se pode ser condenado se houver prova disso. Não tem prova de que ele tenha participad­o. Quem observar com desprendim­ento de espírito há de entender isso”, afirmou o desembarga­dor em seu voto.

 ?? ALEX DE JESUS/O TEMPO - 4/11/2015 ?? Revisão. O ex-prefeito Antério Mânica durante o julgamento de 2015 em que foi condenado a 100 anos de prisão; sentença foi anulada em 2ª instância
ALEX DE JESUS/O TEMPO - 4/11/2015 Revisão. O ex-prefeito Antério Mânica durante o julgamento de 2015 em que foi condenado a 100 anos de prisão; sentença foi anulada em 2ª instância

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