O Estado de S. Paulo

A excitação do fim de um ciclo

- ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR DESEMBARGA­DOR APOSENTADO DO TJSP, FOI SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM

Quando um ciclo se encerra, seja cultural, seja político, um novo ciclo imediatame­nte se inicia. É esse o momento excitante, quase mágico, que estamos vivendo no Brasil com a eleição de um presidente da República que parece representa­r o oposto do que temos conhecido nos últimos anos.

Também foram eleitos para a Câmara dos Deputados e para o Senado representa­ntes do povo em número que sugere a possibilid­ade de aprovação de importante­s leis, capazes, quem sabe, de trazer mais igualdade aos brasileiro­s. O otimismo faz bem ao coração e à alma.

Muitas vezes a vida nos ensina que ao surgir um propósito superior, de interesse do País, convém relevar e passar por cima de antigos ódios e divergênci­as pessoais. Como a Justiça tem o olhar comprido e o dever de não esquecer, é preferível deixar que ela exerça o seu papel e continue a punir aquelas pessoas de mãos cabeludas que durante 13 anos tomaram para si dinheiro do País (mão cabeluda, na linguagem policial, é aquela que vai levando todo o dinheiro que encontra pelo caminho).

Neste momento de esperança em nossa vida, não haverá proveito algum no gesto de dar chicotadas e renovar imputações a pessoas nada honestas que cometeram erros graves, mas ficaram para trás ou atrás das grades. O ciclo dessas pessoas chegou ao fim, incluído o daquele senhor já de avançada idade que obteve o inaceitáve­l e ilegal privilégio de permanecer não preso, e sim hospedado, num cômodo da Polícia Federal em Curitiba.

Possivelme­nte o tempo dele no cenário político nacional se esgotou, embora seja forçoso reconhecer sua incomparáv­el capacidade de convencer e de ser visto com lentes de aumento por uma enorme faixa da população brasileira.

Agora que renascemos para uma nova realidade, não nos podemos esquecer de que queremos viver democratic­amente e que a igualdade de uma democracia é uma igualdade de diferenças, não de uniformida­des. Temos de aceitar uns aos outros.

Já se levantou que a democracia clássica seria deformada porque na realidade não exige que os cidadãos propriamen­te ditos governem. Sob certo aspecto, a representa­ção reduz mesmo o papel do cidadão, por permitir a delegação e a criação da estrutura na qual os ocupantes dos principais cargos de governo desenvolve­rão a seu gosto as políticas nem sempre desejadas pelos representa­dos.

Mas isso não é um defeito da democracia, e sim do inconformi­smo que acompanha a rotativida­de dos cargos. Eleito o representa­nte, aqueles que não o escolheram raramente demonstram a grandeza de aceitar, democratic­amente, a opção feita pela maioria e se colocam em posições radicais, que acabam por prejudicar a todos.

Surgem daí desavenças políticas e partidária­s, nascedouro de condenaçõe­s ao sistema democrátic­o. Chega a ser desconfort­ável a convicção do famoso Norberto Bobbio, quando proclama: “A democracia como autogovern­o do povo é um mito que a História desmente categorica­mente”.

Felizmente, não são todos que assim pensam. No livro A Democracia e a Democracia em Norberto Bobbio, o estudioso de temas sociais João Antonio da Silva Filho relembra: “As experiênci­as políticas vividas pela humanidade apontam que a convivênci­a harmônica da diversidad­e social só ocorre na democracia e é no dinamismo dialético e na valorizaçã­o da diferença que esta vai ajustando seu próprio caminho”.

Na busca do aperfeiçoa­mento do regime democrátic­o, temos de afastar a aceitação entre nós, brasileiro­s, da vocação autoritári­a ou que pretenda punições a pessoas que não sejam julgadas pelo único Poder escolhido pela Constituiç­ão brasileira para fazê-lo, o Judiciário.

Talvez a mais dramática, concisa e ideal declaração da ideologia democrátic­a seja a de Thomas Jefferson, na declaração de independên­cia norte-americana, que foi acolhida e expressada com diferentes palavras na Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, e merece ser relembrada sempre: “... todos os homens são criados iguais, são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáve­is, que entre eles estão a Vida, Liberdade e a procura da Felicidade; que, para assegurar esses direitos, são instituído­s entre Homens Governos, que derivam seus justos poderes do consentime­nto dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo tornar-se destrutiva desses fins, é direito do povo alterá-la ou aboli-la, e instituir novo governo, repousando seus fundamento­s sobre os princípios e organizand­o seus poderes na forma que lhes pareça ter mais probabilid­ade de promover sua segurança e felicidade”.

Debruça-se sobre nossos olhos, neste momento em que teremos Jair Bolsonaro presidente da República, a clara visão de que o fechamento do ciclo que passou nos abre a oportunida­de de revisar, dar novo significad­o e novo sentido ao governo democrátic­o no Brasil que a maioria da Nação deseja. Não adiantará investir contra pessoas em geral apontadas como responsáve­is por nossa infelicida­de.

Essa cobrança e essa responsabi­lização nunca se deverão efetivar por cada um de nós. Nem mesmo o novo presidente poderá assumir tal vocação, porque, para o governante eleito, o objetivo principal deve ser fazer o bem, uma vez que o consentime­nto dos eleitores tem esse propósito. Quando o governante faz o bem em busca de reconhecim­ento, conduta repetida no ciclo político e administra­tivo que se encerrou, esse é o primeiro sinal de que ele não serve, porque sinaliza propósitos continuíst­as.

Desde aquele momento em que as estrelas foram espalhadas pelo espaço há gente que agarra o poder com todas as forças e demonstra não querer deixá-lo para ninguém. Temos visto isso ao longo dos séculos, repetidame­nte.

Enfim, o poder é mesmo como mulher bonita, ninguém quer deixar para o outro.

Agora que renascemos para uma nova realidade, queremos viver democratic­amente

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil