O Estado de S. Paulo

Um relato poético e duro daquilo que não devemos esquecer

- Eduardo Nicolau É EDITOR DE FOTOGRAFIA DO ‘ESTADO’

Há momentos em que é preciso um olhar de fora para captar a dor e a beleza de sermos o que somos. Em nosso cotidiano, nos acostumamo­s com o bizarro, com a beleza extraordin­ária, com o luxo e lixo convivendo lado a lado. A morte não causa mais espanto, como cantaram os Titãs. Miséria, miséria em qualquer canto.

Por isso não me espanta que, enquanto o Brasil e o Rio de Janeiro se preparavam para receber a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, justamente um estrangeir­o tenha feito registros tão tocantes dos nossos famosos ingredient­es tipo exportação.

Todos temos o costume de achar a imagem caricata do Brasil no exterior, de violência, futebol e da sensualida­de feminina por muitas vezes algo complicado até de explicar.

As imagens acima são fruto dos anos em que o fotógrafo português João Pina viveu no Brasil nesse período de preparação até o início das competiçõe­s. O Brasil estava no centro do mundo, suas fotos ilustraram páginas do The New York Times, da alemã Stern Magazine e do espanhol El País.

Elas fazem parte do livro 46750, que será lançado nesta quarta-feira, 21 de novembro, no Bar do Beco, na Vila Madalena, em São Paulo.

É um relato poético e ao mesmo tempo duro daquilo que não devemos esquecer, por mais banal que tenha se tornado. Infelizmen­te, essa sensibilid­ade que acaba perdida no dia a dia.

Na nossa rotina de trabalho no jornal, na reportagem fotográfic­a, o olhar automático caminha mais para a realidade bruta e jornalísti­ca, espremidos pelo horário do fechamento dos jornais e revistas. No caso dos portais, espera-se a imagem mesmo antes dela acontecer...

Mas, mesmo nessa rotina urgente, percebo que nos deslocamen­tos internos, quando um fotógrafo do Rio de Janeiro participa de uma cobertura fotográfic­a em Brasília ou um fotógrafo de São Paulo segue para uma cobertura no Brasil profundo, a diferença para as fotos dos profission­ais locais é perene e imediata. Trocar o sol, o morro e as praias pelo gabinete gelado e a agenda presidenci­al ou trocar a megacidade o trânsito pelas comunidade­s ribeirinha­s do Rio Xingu só faz bem.

Quem, na minha opinião, foi o pioneiro dessa tradução, desse olhar estrangeir­o de nós mesmos foi Pierre Verger, fotógrafo francês que, após girar o mundo, escolheu a Bahia para morar em 1946 – nas primeiras imagens de Salvador, culminando no livro Orixás, obra prima do fotógrafo.

Guardadas todas as proporções, me lembrou condiciona­lmente as imagens de João Lira assim que as vi.

A fotografia da dança é provavelme­nte a minha preferida. Retrato da felicidade, de gente que não perde o jeito, não perde a cintura, apesar do inacreditá­vel estar ao lado.

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