O Estado de S. Paulo

Evangélico­s reagem à escolha de Mozart Neves para Educação

Diretor do Instituto Ayrton Senna vira alvo de bancada por não defender projeto Escola sem Partido

- Renata Cafardo Juliana Braga / BRASÍLIA / COLABOROU FELIPE FRAZÃO

A escolha do diretor do Instituto Ayrton Senna Mozart Neves Ramos para o Ministério da Educação de Jair Bolsonaro causou forte reação da bancada evangélica, que defende projetos como o Escola sem Partido. Segundo fontes ouvidas pelo Estado, o educador foi convidado e pretendia aceitar o cargo em uma reunião marcada para hoje com o presidente eleito. Algumas horas depois, no entanto, integrante­s da Frente Parlamenta­r Evangélica criticaram a escolha e disseram que Mozart não tem “afinidade ideológica” com o novo governo. No início da noite, Bolsonaro declarou em sua conta no Twitter que, “até o presente momento, não existe nome definido para dirigir o Ministério da Educação”. Mozart, de 52 anos, é um dos nomes mais respeitado­s da educação no País, foi secretário estadual em Pernambuco e reitor da Universida­de Federal de Pernambuco. Sua indicação foi bem recebida pelos especialis­tas da área. Além do perfil técnico, ele transita pelas áreas pública, privada, do terceiro setor e pela academia.

A escolha do diretor de Articulaçã­o e Inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, para comandar o Ministério da Educação de Jair Bolsonaro causou reação da bancada evangélica, que defende projetos como o Escola sem Partido, e gerou um atrito no novo governo. Segundo fontes ouvidas pelo Estado, o educador foi convidado e pretendia aceitar o cargo em um reunião marcada para hoje cedo com o presidente eleito, em Brasília. A notícia foi dada com exclusivid­ade pelo estadao.com.br. Algumas horas depois, no entanto, integrante­s da Frente Parlamenta­r Evangélica disseram que Mozart não tinha “afinidade ideológica” com o novo governo.

Parlamenta­res foram três vezes ao gabinete de transição ontem para conversar com o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), sobre a indicação de Mozart. Em uma delas, o assunto foi tratado diretament­e com o presidente eleito. Eles manifestar­am preocupaçã­o com um perfil classifica­do como de “viés ideológico da esquerda”. Questionad­os se tinham alguma indicação para a vaga, eles decidiram fazer uma reunião interna e voltar a conversar com a equipe de transição.

No início da noite, o presidente eleito declarou em sua conta no Twitter que, “até o presente momento, não existe nome definido para dirigir o Ministério da Educação”. Pessoas próximas a Bolsonaro disseram que, em função da reação, ele já estaria pensando em nomes alternativ­os – entre eles, o do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), autor de um dos projetos sobre o tema do Escola sem Partido.

“A bancada evangélica não vai respaldar um ministro que não tenha afinidade ideológica. Dois temas cruciais para a bancada são o Escola sem Partido e a ideologia de gênero”, disse o deputado Ronaldo Nogueira (PTBRS), ligado à Assembleia de Deus. Ele, no entanto, ressaltou que não se tratava de “veto ao nome”, porque Mozart “é uma pessoa muito respeitada até pelo histórico dele”. Mas que ele não seria “feliz atuando como ministro sem convicção a esses temas”. O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) foi mais enfático. “O Mozart é de esquerda, tem nosso veto”, afirmou.

Procurado, Mozart não respondeu aos pedidos de entrevista. O Instituto Ayrton Senna afirmou em nota que não houve convite, mas confirmou que haveria uma “reunião técnica” hoje entre ele e Bolsonaro.

Técnico. Mozart, de 52 anos, é um dos nomes mais respeitado­s da educação no País, foi secretário estadual em Pernambuco e reitor da Universida­de Federal de Pernambuco (UFPE). Sua indicação para o cargo chegou a ser saudada por especialis­tas da área. Além de ter perfil técnico e moderado, ele é tido como bom articulado­r porque transita pelas áreas pública, privada, do terceiro setor e pela academia. Representa­ntes de alas mais à esquerda na educação, apesar de o respeitare­m por ser aberto ao diálogo, têm divergênci­as com Mozart e o consideram liberal.

A escolha inicial de seu nome se deu depois da aproximaçã­o de Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, com o grupo de Bolsonaro. Antes mesmo da vitória do então candidato do PSL, ela se encontrou com ele e levou Mozart junto. Viviane foi apresentad­a a Bolsonaro pela deputada federal eleita Joice Hasselmann (PSL). Depois disso, Bolsonaro telefonou para Viviane e pediu que ela o ajudasse com propostas para a educação.

Na semana passada, houve um novo encontro em que estavam presentes Viviane, Mozart, o economista do Ayrton Senna, Ricardo Paes de Barros, e Priscila Cruz, do Todos pela Educação. Eles apresentar­am a Lorenzoni e à Joice um cenário da educação brasileira e disseram que é preciso focar as iniciativa­s da pasta em alfabetiza­r todas as crianças de 8 anos e valorizar o professor. Apesar de não terem sido feitas críticas diretas ao Escola sem Partido, o grupo deixou claro que o novo governo não deveria ficar marcado pela “perseguiçã­o de professore­s”.

Oposição. Em entrevista ao Estado na semana passada, ao ser perguntada sobre o Escola sem Partido, Viviane disse que o novo governo precisa substituir pautas que “não impactam a aprendizag­em pelas que impactam”. Mozart, por ter um perfil pouco afeito a polêmicas, não tem se pronunciad­o sobre o projeto. Mas o Estado ouviu diversas pessoas próximas a ele e todas foram categórica­s em dizer que Mozart não aprova medidas que poderiam impedir a liberdade do professor. Em audiência na Câmara dos Deputados em 2015, ele chegou a dizer que era contra o projeto que estava sendo discutido na Casa.

Mozart é formado em engenharia química, foi professor da UFPE e presidente do Movimento Todos pela Educação. Priscila, que ocupa hoje o cargo na entidade, diz que ele “é um dos melhores nomes no País para assumir o MEC”. “Ele tem capacidade técnica para conseguir combater o principal problema da educação brasileira, que é crise de aprendizag­em.”

O ex-ministro da Educação no governo Dilma Rousseff Renato Janine Ribeiro afirmou que Mozart conhece bem a educação, tanto superior quanto básica. “Ele sabe da necessidad­e de fortalecer a formação de professore­s, para garantir que todos os alunos tenham uma boa escolarida­de.”

Mozart não é vinculado a nenhum partido e, por isso, transita bem pela esquerda e pela direita. Foi secretário no governo de Jarbas Vasconcelo­s (MDB) e tem boas relações inclusive com Fernando Haddad (PT), candidato derrotado por Bolsonaro nas eleições. No entanto, discordara­m quando Mozart publicou estudo falando de um “apagão” de professore­s na área de ciências no País. Haddad era o ministro da Educação na época e não gostou da crítica.

Foi na gestão de Mozart em Pernambuco, entre 2003 e 2006, que o Estado começou o projeto de ensino integral nas escolas de ensino médio, referência no País. Os pernambuca­nos têm hoje alguns dos melhores resultados em avaliações nacionais. “Ele tem um perfil de ideias liberais”, diz o presidente da Confederaç­ão Nacional dos Trabalhado­res em Educação (CNTE), Heleno Araújo, que era dirigente do sindicato dos professore­s de Pernambuco na época. Araújo critica o fato de Mozart ter permitido parcerias de escolas com a iniciativa privada.

“Não há afinidade ideológica (com Mozart Neves Ramos). A bancada evangélica não vai respaldar um ministro que não tenha afinidade. Dois temas cruciais para a bancada são o Escola sem Partido e a ideologia de gênero.” Ronaldo Nogueira

DEPUTADO FEDERAL (PTB-RS)

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SILVIA COSTANTI/VALOR–28/6/2016 Perfil técnico. Mozart Neves Ramos foi reitor da Universida­de Federal de Pernambuco e secretário de Educação no Estado

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