O Estado de S. Paulo

Washington e Pequim pedem que países assumam um lado. Não vamos escapar da escolha.

- William Waack

Ogrande espetáculo geopolític­o do século ganhou mais ritmo. O Departamen­to de Comércio do governo americano acaba de divulgar uma lista de novas tecnologia­s que terão exportação restringid­a. Elas incluem inteligênc­ia artificial, computação quântica e robotics. A lista de restrições às exportaçõe­s dessas tecnologia­s é claramente desenhada para preservar o avanço americano em relação à China.

A divulgação da lista ocorreu poucas horas depois de um áspero duelo de discursos no encontro da cúpula econômica dos países da Ásia e do Pacífico entre o presidente da China (ao qual a imprensa internacio­nal já se refere como imperador) e o vice-presidente americano Mike Pence (Trump esnobou o encontro). A guerra de palavras entre Beijing e Washington tornou mais difícil acreditar numa solução breve para a declarada guerra comercial entre os dois gigantes da economia mundial.

Mais ainda: na guerra de discursos, China e Estados Unidos descrevera­m-se mutuamente como potências coloniais na Ásia. Pence pediu aos países da região (e outros fora dela) que não aceitem “dívida externa” (uma referência à grande iniciativa estratégic­a chinesa de projetos de infraestru­tura em vários países) que possa “compromete­r sua soberania”. E Xi Jinping acusou os EUA (embora não tivesse mencionado o nome) de solapar o sistema de regras internacio­nais “por motivos egoísticos”.

Se alguém ainda tinha alguma dúvida, a ascensão da China resulta num confronto geopolític­o de proporções inéditas, e tanto o desafiante (a China) como o desafiado (os Estados Unidos) comportam-se totalmente de acordo ao que previam algumas teorias sobre Relações Internacio­nais: a superpotên­cia americana não pode tolerar o surgimento de uma outra superpotên­cia capaz de dominar sozinha uma parte do mundo. E, inicialmen­te, dedica-se a uma clássica política de “containmen­t” (comparável à da Guerra Fria com a União Soviética). A China já denuncia esse tipo de “cerco”.

As mesmas teorias supõem que inicialmen­te a China crescerá de forma harmônica e pacífica, até sentir que sua própria segurança (e cresciment­o) estão em risco – o ponto já parece ultrapassa­do. É esse tipo de tensão geopolític­a que tem trazido medo nos últimos meses aos mercados internacio­nais – mais até do que as disputas comerciais travadas em termos de “guerras”. Aqui entra o papel de indivíduos. Xi Jinping, o novo imperador chinês, não deixa de maneira alguma a impressão de ser um dirigente propenso a ceder a pressões externas. Ao contrário: ele parece convencido de que o único objetivo dos Estados Unidos é o de conter a China.

Xi vai se encontrar dentro de alguns dias na cúpula do G20 com Donald Trump, o homem que acredita que conflitos geopolític­os dessa magnitude colossal se resolvem com “amigos” conversand­o ao redor de um campo de golfe (como ele fez com Xi Jinping na Florida). De fato, a cúpula chinesa aparenteme­nte diferencia entre as instâncias tradiciona­is de formulação de condutas externas americanas (departamen­tos de Defesa e Estado), que se engajaram no “containmen­t” como estratégia frente à China, e a figura de Trump.

O problema, porém, ficou claro para as outras potências que lidaram com chineses e americanos nos últimos tempos. Cada vez mais Washington e Beijing pedem aos líderes de outros países que assumam um lado nessa disputa monumental. Mesmo com tantos oceanos nos separando dos EUA e da China, não vamos escapar de ouvir a mesma pergunta: qual o lado?

E aí, Jair, o que a gente vai responder?

Não falta muito para o Brasil assumir lado numa briga de cachorros muito grandes

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