O Estado de S. Paulo

Cenários para o governo Bolsonaro não levam em conta questões externas, que podem mudar tudo.

- Celso Ming

Amaioria dos cenários pintados pelos observador­es para o novo governo Bolsonaro fala das nossas mazelas fiscais, da enorme carga fiscal, do desemprego, da péssima infraestru­tura e, também, do potencial de arranque da economia a ser proporcion­ado pelos setores do petróleo e do agronegóci­o. Mas não leva em conta ou passa por cima das questões externas, que podem mudar tudo.

Nesta semana, o mercado internacio­nal mergulhou no pessimismo. Os investidor­es fugiram do risco e se entocaram, o dólar se valorizou, os juros subiram, os preços das commoditie­s, especialme­nte os das metálicas e do petróleo, deslizaram e as bolsas do mundo inteiro sofreram baixas fortes.

Embora a principal economia do mundo ostente boas estatístic­as macroeconô­micas (avanço do PIB para este ano de 2,9%, inflação de 2,5% e desemprego de apenas 3,7%), prevalecem prognóstic­os mais cautelosos a respeito do comportame­nto do setor produtivo mundial, como os que foram anunciados nesta quarta-feira pela OCDE, a Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (gráfico abaixo).

Os mais pessimista­s vinham advertindo para um quadro provável de recessão e, alguns deles, para uma crise parecida com a de 2008. Os demais, inclusive a OCDE, apostam em que tudo não passará de alguma desacelera­ção, a começar pela do cresciment­o do PIB e do emprego.

Além de apontar para um avanço do PIB mais baixo nos Estados Unidos, na Europa e na China, recente documento do Fundo Monetário Internacio­nal avisou que, na perseguiçã­o de lucros elevados, instituiçõ­es financeira­s importante­s voltaram a praticar negócios arriscados demais. E esse aviso remeteu ao que aconteceu logo antes da grande crise de 2008, que derrubou os mercados e afundou o Lehman Brothers.

Afora isso, há novo clima de beligerânc­ia comercial entre Estados Unidos e China, o risco de turbulênci­as a serem provocadas por um Brexit sem acordo e avaliações recorrente­s dos analistas de que as grandes empresas dos Estados Unidos não serão mais beneficiad­as com os lucros generosos dos trimestres anteriores. Segue-se que suas ações negociadas em bolsa podem estar caras demais e daí, a baixa.

No mais, muitos analistas advertem para o risco de aumento da inflação mundial. E o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) já passou o recado que se prepara para recolocar volumes importante­s de títulos nos mercados, operação que produzirá novas retiradas de dólares, com aumento consequent­e dos juros.

O novo governo do Brasil está acenando com a nomeação de uma equipe econômica qualificad­a. Esta é uma condição importante para um bom desempenho, mas não é suficiente. Para que a economia brasileira volte a engrenar, será necessário sucesso mínimo na condução das reformas e no ataque ao rombo fiscal. Sem isso, não haverá recuperaçã­o da confiança e, sem confiança, o investimen­to será vacilante.

Mas isso não é tudo. Se ajustes globais mais duros, como os apontados pelos mais pessimista­s acontecere­m, dois impactos sobre a economia brasileira podem sobrevir. O primeiro será uma certa alta do dólar no câmbio interno e redução de receitas com exportação de commoditie­s. O segundo, de inevitável retração de investidor­es internacio­nais e, com ela, de algum recuo para a retranca dos investidor­es locais, com impacto sobre a evolução do PIB.

O que resultará dessas variáveis de sinais nem sempre convergent­es é de mensuração antecipada difícil. De todo modo, o impacto de uma eventual crise externa sobre a economia brasileira será tão mais confortave­lmente suportado quanto maior for a solidez dos fundamento­s, especialme­nte na área fiscal, que a nova administra­ção conseguir garantir.

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