O Estado de S. Paulo

Subsídios e transparên­cia

- JOSÉ SERRA SENADOR (PSDB-SP)

OMinistéri­o da Fazenda passou a publicar relatórios que ampliam a transparên­cia dos subsídios concedidos pelo governo federal. No mais recente, evidenciou-se que os benefícios financeiro­s e creditício­s atingiram R$ 84,3 bilhões em 2017 – cerca de três vezes o gasto do programa Bolsa Família. De fato, apesar dos avanços em transparên­cia, o material elaborado pelo governo ainda não avalia adequadame­nte os subsídios que afetam o custo das operações de crédito realizadas no País com taxas de juros favorecida­s. Além disso, não faz uma análise de resultados, o que permitiria julgar a pertinênci­a dos gastos que integram a política creditícia.

Tenhamos uma certeza: a sociedade e o Parlamento precisam conhecer os impactos dos subsídios concedidos pelo setor público, especialme­nte porque eles têm implicaçõe­s macroeconô­micas e beneficiam setores específico­s da sociedade.

Nosso regime fiscal hospeda importante­s regras em matéria de transparên­cia fiscal. Por exemplo, no capítulo sobre orçamentos, a Constituiç­ão federal exige a divulgação de demonstrat­ivo regionaliz­ado dos efeitos dos subsídios sobre as receitas e as despesas previstas no Orçamento. A Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF), por sua vez, inaugurou comandos específico­s nessa direção. No parágrafo único do seu artigo 27, condiciona à aprovação de lei a concessão de qualquer empréstimo ou financiame­nto com taxas de juros inferiores às usadas na captação de recursos pelo governo.

A LRF é também veemente no requisito da transparên­cia das renúncias tributária­s, como demonstra seu artigo 14. Contudo não conferiu o mesmo tratamento aos subsídios creditício­s – os que decorrem de empréstimo­s e financiame­ntos concedidos pelo setor público com taxas de juros abaixo do custo de captação do governo federal. Eis aí uma boa razão para o Congresso Nacional discutir uma nova legislação que amplie a transparên­cia dos custos fiscais e dos benefícios da política creditícia adotada pelo governo federal, na linha do que defendi no meu artigo de 15/5/2018 nesta página.

Experiênci­as de outros países podem servir de referência para um novo arranjo legal no sentido do controle e da avaliação dos custos e benefícios das políticas de crédito que envolvam subsídios e incentivos fiscais. Na Alemanha, por exemplo, o governo divulga anualmente um relatório para avaliar gastos dessa natureza. Por lá as coisas funcionam simplesmen­te assim: subsídios que se tornam desnecessá­rios são extintos e novos subsídios são introduzid­os em áreas onde se possa aumentar a competitiv­idade ou fornecer apoio temporário para o avanço de tecnologia­s pró-cresciment­o.

A experiênci­a norte-americana também é interessan­te. A Lei Federal de Reforma do Crédito, de 1990, passou a exigir do governo avaliações de custos e resultados dos subsídios concedidos em empréstimo­s e financiame­ntos do governo federal. De acordo com a metodologi­a adotada nos Estados Unidos, o custo do subsídio é igual ao valor presente dos fluxos de caixa das despesas estimadas do governo – por exemplo, desembolso­s de empréstimo­s e pagamentos de sinistros aos credores – menos os fluxos de caixa das receitas para o governo – por exemplo, retornos do principal e dos encargos de empréstimo­s inadimplid­os. Essa avaliação é feita em todo o decurso da operação, tendo por parâmetro o custo de financiame­nto da dívida pública do governo federal. As agências do governo americano reestimam anualmente os custos dos subsídios, com o objetivo de avaliar esses empréstimo­s numa base orçamentár­ia semelhante à de outros gastos federais.

Aqui, no Brasil, caberia prever na legislação a realização de análises econômicas e fiscais sobre as transações entre o Tesouro e demais instituiçõ­es financeira­s federais, bem como sobre os incentivos tributário­s e os fundos legalmente constituíd­os em operações de crédito concedidas pelo Sistema Financeiro Nacional. Os relatórios divulgados pelo Ministério da Fazenda já fazem, parcialmen­te, uma avaliação dos subsídios creditício­s. Mas a forma utilizada não torna totalmente transparen­tes todos os custos e os resultados esperados para a economia e para o público em geral.

Vale citar alguns casos não adequadame­nte contemplad­os em relatórios do governo. Em relação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), lei de 2009 prevê a concessão de descontos em financiame­ntos do Minha Casa, Minha Vida por conta da União. Esse desembolso orçamentár­io em 2016 foi de R$ 6,9 bilhões. Além desse gasto, há ainda uma parcela de subsídio que não é capturada nos relatórios atuais e equivale ao benefício concedido pelo FGTS. Este fundo é capaz de bancar esse subsídio porque recebe, sobre sua carteira de títulos públicos, rentabilid­ade bem superior à remuneraçã­o que oferece aos trabalhado­res – apenas TR + 3% ao ano.

As análises também deveriam ampliar a transparên­cia dos incentivos fiscais relacionad­os à política creditícia. Um exemplo são os subsídios de natureza tributária concedidos nos financiame­ntos do Sistema Financeiro da Habitação e no crédito rural com recursos da poupança. Como a poupança é isenta de Imposto de Renda, há subsídio implícito nos empréstimo­s feitos com esses recursos. Dado o saldo da poupança, hoje em R$ 780 bilhões, a renúncia do Imposto de Renda pode ser estimada em R$ 12 bilhões anuais. Esse exemplo demonstra a dificuldad­e de identifica­r os subsídios na complexa arquitetur­a das operações financeira­s.

Já se avançou bastante, mas diante dos desafios do combate aos desequilíb­rios das contas públicas é preciso ampliar a transparên­cia dos gastos inseridos nas políticas de crédito. O Congresso e a opinião pública devem dispor de todas informaçõe­s essenciais para uma avaliação precisa dos custos e benefícios da política creditícia adotada pelo governo federal.

Mãos à obra na construção dos marcos legais necessário­s!

Informaçõe­s essenciais para avaliação precisa dos custos e benefícios devem estar disponívei­s

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