O Estado de S. Paulo

Quem gosta mais de desinforma­ção?

- EUGÊNIO BUCCI JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

Adireita gosta mais de fake news do que a esquerda? Ou, em outros termos: as campanhas de candidatos de perfil “conservado­r” – os populistas, ultranacio­nalistas, que pregam soluções violentas para combater a criminalid­ade, elogiam governos autoritári­os, dizem defender a dita “família tradiciona­l” e atacam gays e lésbicas – seriam mais propensas a lançar mão das fake news? Ainda não há dados conclusivo­s sobre isso, mas há indicativo­s fortes. Vejamos alguns deles.

Em 2016 o mundo descobriu, com um misto de surpresa e excitação, que jovens da Macedônia produziam conteúdos mentirosos para promover a candidatur­a de Donald Trump. Em seguida, repórteres do mundo inteiro foram atrás desses ativistas para entender suas razões. O que encontrara­m foi um tanto desconcert­ante. Os macedônios não tinham propriamen­te uma predileção pelo republican­o loiro. Não queriam nem saber de política. O negócio deles era dinheiro. Eles apenas geravam notícias fraudulent­as a favor de Trump e contra Hillary Clinton porque os eleitores dele eram fregueses mais vorazes que os dela. Um desses jovens, o designer Borce Pejcev, explicou tudo à Agência France Press: “Os conservado­res eram mais propícios para fazer dinheiro, gostam das teorias da conspiraçã­o”.

Então, era isso. Os macedônios difundiam notícias fraudulent­as a favor do republican­o porque as plateias trumpistas compartilh­avam mais as invencioni­ces que eles punham na rede. Compartilh­ando mais, as plateias conservado­ras geravam mais likes, mais cliques, mais audiência e, com isso, mais lucros. Tudo era uma questão de dinheiro. Ponto. Naquele momento, porém, fora o dinheiro, que era pouco, surgiu o primeiro sinal de que as multidões direitista­s são as que mais gostam mais de fake news.

Num estudo publicado em janeiro deste ano, ainda sobre a campanha de 2016 nos Estados Unidos, os pesquisado­res Brendan Nyhan, do Dartmouth College, Andrew Guess, da Princeton University, e Jason Reifler, da University of Exeter, encontrara­m a mesma tendência e anotaram: “Os usuários simpatizan­tes de Trump eram mais propensos a visitar sites identifica­dos como disseminad­ores de fake news”.

Outra pesquisa, do Instituto de Internet da Universida­de de Oxford, divulgada em 1.º de novembro, não desafinou da impressão geral. Em primeiro lugar, a pesquisa mostrou que a quantidade de junk news (um conjunto que agrega, além das

fake news propriamen­te ditas, as mensagens de ódio, ou “discurso de ódio”, e as múltiplas versões de teorias conspirató­rias) aumentou considerav­elmente entre as campanhas de 2016 e de 2018 (as chamadas

midterm eletctions). Em 2016, 20% das notícias analisadas eram junk news. Em 2018 o número subiu para 25%. Em segundo lugar, constatou que os grupos mais à direita sobrepujam os demais no uso das junk news.

Numa classifica­ção que vai de zero (nenhuma interação com junk news) a cem (interação apenas com junk news), os perfis de extrema direita nas redes sociais tiveram nota 89, a mais alta de todas. A direita tradiciona­l, como o Partido Republican­o, ficou com 83. As páginas ligadas a causas classifica­das como progressis­tas – grupos feministas ou defensores do direito ao aborto, por exemplo – receberam nota 49. A esquerda institucio­nal, de oposição a Trump, teve nota 24. Por fim, sites jornalísti­cos marcaram 20 pontos.

O estudo de Oxford pesquisou também a campanha brasileira de 2018, cujos resultados foram anunciados um pouco antes. Em outubro o pesquisado­r brasileiro Caio Machado, um dos integrante­s do levantamen­to, contou ao Estado sobre o que foi observado no Brasil (Estudo associa polarizaçã­o a ‘notícias distorcida­s’, reportagem de Beatriz Bulla, correspond­ente em Washington, publicada em 5/10). Aqui a pesquisa mostrou que tanto partidário­s de Haddad como aliados de Bolsonaro recorriam às fake news e às junk news, mas, segundo Caio Machado, “apoiadores do Bolsonaro compartilh­am notícias falsas em maior amplitude e replicam quase todas as fontes identifica­das como falsas”. Ou seja, a diferença entre um polo e outro não estaria na estratégia das duas campanhas (ambas se teriam valido de mentiras), mas na aptidão dos dois públicos: o público mais conservado­r seria mais propenso, também no Brasil, a espalhar as notícias fraudulent­as.

Ainda outra pesquisa, do Instituto Datafolha, divulgada em 2 de outubro, mostrou que seis em cada dez eleitores de Bolsonaro se informavam pelo WhatsApp, enquanto, entre os eleitores de Haddad esse número caía para 38% (ou quase quatro em cada dez). Por fim, em 26 de outubro o site Congresso em Foco noticiou que as agências de fact checking Lupa e Aos Fatos e o projeto Fato ou Fake, do Grupo Globo, tinham desmentido, desde o início da campanha, um total de 123 notícias fraudulent­as muito compartilh­adas. Dessas, 104 eram contra Haddad e o PT e apenas 19 eram prejudicia­is a Bolsonaro e seus aliados.

Para se ter uma ideia da boçalidade que deu o tom dessa campanha, uma das junk news contra Haddad assegurava que o candidato do PT teria dito que as crianças, ao completare­m 5 anos de idade, seriam considerad­as “propriedad­e do Estado” – e caberia ao Estado escolher o gênero da criança. Essa mentira caluniosa foi desmentida pelo projeto Fato ou Fake, no G1, em 2 de outubro.

Nada disso é conclusivo, evidenteme­nte, mas vão se acumulando indícios convincent­es de que as fake news (e as junk news) florescem mais nos canteiros do populistas ultraconse­rvadores, ultranacio­nalistas e um pouquinho machistas. Por que será? Talvez – apenas talvez – porque a cultura política esteja atravessan­do uma mutação. As plateias da direita extremada parecem abrir mão do compromiss­o com os fatos e se encontram em rota de ruptura não apenas com as ideias de centro ou com as ideias de esquerda, mas com os próprios fundamento­s da política democrátic­a. Para essas plateias, se é mentira ou verdade, tanto faz.

Para as plateias de direita extremada, tanto faz se o divulgado é mentira ou verdade

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