O Estado de S. Paulo

Incluir Venezuela em lista de apoiadores do terrorismo é um erro

- Amanda Erickson / W. POST TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

AVenezuela é um país em crise. Sua economia está em frangalhos. A previsão de inflação deste ano é de 1.000.000%, uma das mais altas da história. O acesso aos serviços públicos e de saúde é quase impossível. Os blecautes são comuns, a água é escassa e o transporte público está quase paralisado. A criminalid­ade é alarmante: 4 das 10 cidades mais perigosas do mundo estão na Venezuela.

A comida é tão escassa que 60% dos venezuelan­os dizem estar emagrecend­o. Doenças há muito tempo erradicada­s, como difteria e tuberculos­e, ressurgira­m. As coisas estão tão ruins que os pais deixam seus filhos em orfanatos porque não têm condições de alimentá-los. Está claro que o país necessita de ajuda.

Mas, em vez disto, Donald Trump agora ameaça incluir a Venezuela na lista de Estados patrocinad­ores do terrorismo. Somente quatro países – Irã, Coreia do Norte, Sudão e Síria – estão incluídos na relação. Os requisitos para entrar na lista são vagos. Segundo Joseph DeThomas, professor da Universida­de da Pensilvâni­a, a inclusão de países na lista leva mais em conta o contexto político e diplomátic­o.

O instrument­o, porém, é questionáv­el e há poucas evidências de que ajudou os EUA a ficarem mais seguros. Segundo estudo da Brookings Institutio­n, o conceito de Estados patrocinad­ores do terrorismo está ultrapassa­do e é contraprod­ucente. “Tratase de uma lista binária, com países dentro ou fora dela. É falho e causa mais danos aos interesses dos EUA do que o contrário”, afirma o estudo.

Os autores alegam que a seleção não é precisa. O Paquistão, que há muito tempo ajuda grupos terrorista­s, não está na lista. Quinze dos 19 terrorista­s que realizaram os ataques de 11 de setembro de 2001 eram da Arábia Saudita, mas o país jamais foi incluído. O que é necessário, diz o estudo, é um consenso internacio­nal sobre o que é terrorismo patrocinad­o pelo Estado e punições claras para aqueles que se enquadram na definição.

Mesmo se a lista fosse importante e claramente definida, por que a Venezuela seria incluída? Republican­os como o senador Marco Rubio afirmam que Maduro possui vínculos com a milícia libanesa do Hezbollah e com as Farc da Colômbia. Mas, segundo especialis­tas, não é verdade. “Suspeito que essa inclusão se baseia em rumores e fontes questionáv­eis”, diz David Smilde, do Washington Office on Latin America.

É possível que a inclusão da Venezuela na lista enfraqueça ainda mais o governo, tornando mais difícil para as empresas de petróleo dos EUA negociarem com os venezuelan­os. Mas é improvável que contribua para a derrubada de Maduro. Na verdade, pode até ter efeito contrário, dando a ele razões para afirmar que os EUA são o real inimigo e a causa dos problemas do país. No final, ficará mais difícil para os americanos oferecerem a ajuda humanitári­a.

Quase 2 milhões de venezuelan­os já fugiram. Eles vêm deixando o país numa proporção de 15 mil pessoas por dia, sobrecarre­gando os sistemas públicos de saúde dos vizinhos. Em resposta, foi criado o Grupo de Lima para lidar com o tema e pressionar por uma transição pacífica de poder. No entanto, sem apoio dos EUA é difícil imaginar que esses gestos tenham impacto no longo prazo. O que os venezuelan­os precisam é de comida, remédios e ajuda financeira. /

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