O Estado de S. Paulo

Manter a casa arrumada

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Opróximo presidente do Banco Central assumirá a instituiçã­o com a casa bem mais arrumada: sua credibilid­ade restaurada; o reconhecim­ento da comunidade internacio­nal; diretoria de grande qualidade técnica; nenhuma necessidad­e de guinada das políticas monetária e cambial; e uma bem definida (e já iniciada) agenda de medidas estruturai­s.

A gestão de Ilan Goldfajn entregará dois anos seguidos de inflação baixa, após 7 anos consecutiv­os de inflação acima da meta de 4,5%. Como resultado, as projeções de inflação dos analistas de mercado estão em patamares compatívei­s com as novas metas para os próximos anos (4,25% para 2019, 4% para 2020 e 3,75% para 2021).

Ainda que não sem tropeços, houve o aprimorame­nto da comunicaçã­o do BC. Ficou mais fácil compreende­r seu diagnóstic­o do quadro econômico, os cenários para a inflação e, portanto, as implicaçõe­s na estratégia de política monetária. De quebra, o Copom, Comitê de Política Monetária, contribui para o avanço da agenda econômica ao explicitar a necessidad­e de reformas fiscais para garantir o cumpriment­o das metas de inflação no médio e longo prazos.

Importante reconhecer a independên­cia que o governo Temer deu à instituiçã­o, bem diferente do governo anterior.

Não é só de reunião do Copom, porém, que vive o BC. O avanço da agenda estrutural, após anos de letargia, é importante legado da gestão de Ilan. A Agenda BC+ visa a ampliar a cidadania financeira, modernizar a legislação que rege o sistema financeiro, promover a eficiência da intermedia­ção financeira e reduzir o custo do crédito.

Na prestação de contas do primeiro ano de implementa­ção da agenda – algo essencial e com pouca tradição na administra­ção pública no Brasil –, observam-se importante­s avanços.

Para citar alguns, ampliou-se a capacidade do BC de apurar e punir infrações no sistema financeiro e estabelece­u-se novas regras para os processos administra­tivos. Ainda que envolva temas controvers­os, como na introdução de acordos de leniência com o Banco Central, o passo foi na direção correta.

Para baratear o crédito, o BC avançou em várias frentes: criou um novo instrument­o de crédito ao setor imobiliári­o (regulament­ação da Letra Imobiliári­a Garantida, que conta com isenção de imposto de renda e tem garantias reforçadas ao investidor); limitou o uso do cartão de crédito rotativo (o consumidor não pode mais pagar o valor mínimo da fatura por vários meses consecutiv­os, o que obriga os bancos a oferecerem uma linha de crédito mais barata); e implemento­u a diferencia­ção de preços ao consumidor de acordo com o prazo e o meio de pagamento utilizado (abrese espaço para redução de preços para a maioria da população que não faz uso de cartão de crédito).

Mais recentemen­te, o Congresso aprovou o projeto que regulament­a a emissão da chamada duplicata eletrônica. Ao reforçar garantias e evitar fraudes, a medida contribui para a redução da taxa de juros ao tomador final.

Várias outras medidas visaram aumentar a eficiência do sistema financeiro, com impacto no custo do dinheiro, como a simplifica­ção de regras dos depósitos compulsóri­os que bancos mantêm no BC, a regulação diferencia­da das instituiçõ­es financeira­s de acordo com seu porte e o registro eletrônico de garantias.

A agenda é extensa e precisa ter continuida­de. Enganam-se os que acreditam que essas medidas microeconô­micas são pouco relevantes e de fácil aprovação no Congresso. Elas eliminam obstáculos ao cresciment­o do crédito e enfrentam resistênci­a de grupos que se beneficiam da burocracia, como cartórios. Um exemplo é a dificuldad­e de aprovação do projeto do cadastro positivo.

Será necessário o protagonis­mo do próximo presidente do BC para avançar nesta agenda, assim como foi o de Ilan em importante­s pautas legislativ­as, algumas não diretament­e ligadas à instituiçã­o, como nas discussões da regra do teto. O mesmo talvez seja necessário na reforma da Previdênci­a, que é essencial para manter a inflação baixa.

Ter a casa arrumada dá trabalho.

Engana-se quem acredita que medidas microeconô­micas são pouco relevantes

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