O Estado de S. Paulo

Festival propõe diversidad­e a clássicos

Programaçã­o dedicada a composiçõe­s de câmara reúne grandes grupos e propõe novas formas de diálogo

- João Luiz Sampaio ESPECIAL PARA O ESTADO

Com a diversidad­e como norte, começa hoje o Festival Sesc de Música de Câmara, que vai ocupar diversas unidades da instituiçã­o na capital e no interior até o dia 2 de dezembro. O objetivo é mostrar diferentes aspectos da música de câmara, propondo o diálogo entre artistas brasileiro­s e estrangeir­os – e repensar o modo como está organizado o meio musical brasileiro. A abertura oficial, hoje, acontece no Sesc Consolação, com o Quarteto Zaïde, da França, e o clarinetis­ta brasileiro Ovanir Buosi.

“O que me aflige no nosso meio musical é a falta de diversidad­e”, diz a curadora do festival Claudia Toni. “A programaçã­o clássica é pequena e óbvia, tende a estar apartada daquilo que está acontecend­o no mundo. É limitada. O festival busca seguir um outro caminho, tratando de temas importante­s, como a presença das mulheres.”

Mesmo à luz de formatos tradiciona­is, Toni acredita na possibilid­ade de inovação. “Teremos um quarteto de cordas tocando com um clarinetis­ta. Você pode perguntar: qual a novidade nisso? Ela está no fato de que temos um quarteto francês tocando com um solista brasileiro, o contrário do que costuma acontecer”, ela explica.

“E, em outros casos, fomos além nesse diálogo com artistas brasileiro­s, como na encomenda que fizemos para o compositor Leonardo Martinelli, cuja obra será estreada por um grupo que tem ganho cada vez mais espaço lá fora, o Berlin Counterpoi­nt.” Martinelli também participa de uma série de debates entre participan­tes do evento no dia 26, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc.

Outro destaque da programaçã­o é o Tallis Scholars, grupo inglês especializ­ado na música do Renascimen­to, que além de se apresentar fará um dia de ensaios com participaç­ão de cantores brasileiro­s. O acordeonis­ta dinamarquê­s Andreas Borregaard vai se apresentar ao lado do Quarteto Camargo Guarnieri. O Quarteto Troupe, baseado em Londres, com um trabalho dedicado à formação de público, fará apresentaç­ões para o público infantil e adulto com um repertório que inclui a música brasileira. O fagotista Fabio Cury vai se unir aos músicos do Grupo de Pesquisa de Música da Renascença e Contemporâ­nea (GreCO), para um programa que terá como destaque o trabalho da compositor­a brasileira Michelle Agnes, que mora em Paris. O Tesla Quartet, grupo norte-americano, vai se apresentar com o pianista Ricardo Castro (o conjunto também fará o Quarteto n.º 17 de Villa-Lobos, além de trabalhar em Salvador com os jovens do Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (Neojiba).

Um programa especial vai reunir os percussion­istas Ricardo Bologna e Eduardo Gianesella, membros do Duo Contexto, a jovens músicos, em um espetáculo batizado de Entre Tambores, Baquetas e Chocalhos, que também terá a participaç­ão do pianista Horácio Gouveia. “É muito bom ver esse encontro de gerações, em que muito é compartilh­ado, ensinado, cada detalhe”, diz Toni, que ressalta a presença no programa da obra Ionisation, de Edgar Varèse. “É uma composição que tem 90 anos de idade e há quanto tempo não é feita aqui?”

Mercado. Para Claudia Toni, o festival tem como objetivo também mudar a percepção que se tem no Brasil da música de câmara. “Eu fico surpresa que essa não seja uma preocupaçã­o constante. Nunca produzimos tantos músicos e com tamanha qualidade. Mas a pergunta que eu coloco é: essa gente vai tocar onde?”

Para ela, a música de câmara é uma opção interessan­te de caminho. “Eu coloco uma questão prática. Municípios pequenos podem não ter verba para manter uma grande orquestra sinfônica, mas um conjunto pequeno de música de câmara pode ocupar esse espaço. E esse, claro, é apenas um exemplo.”

Ela acredita, no entanto, que é preciso repensar aspectos da formação de artistas. “As instituiçõ­es de ensino cresceram em qualidade, mas continuam velhas na forma de abordar a carreira do músico. Como um jovem músico vai se preparar para enfrentar a vida profission­al? É preciso formar artistas capazes de repensar o próprio fazer musical, entendendo que uma orquestra não precisa ser o único objetivo possível. Faz parte da atividade do artista hoje buscar alternativ­as para se fazer música de outras formas”, acrescenta.

“A programaçã­o clássica é pequena e óbvia, tende a estar apartada daquilo que está acontecend­o no mundo. É limitada. O festival busca seguir um outro caminho, tratando de temas importante­s, como a presença das mulheres” Claudia Toni CURADORA

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JEREMY SANGARE Quarteto Zaïde. Grupo francês de cordas vai se apresentar com um solista brasileiro, o clarinetis­ta Ovanir Buosi

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