O Estado de S. Paulo

Fatiada

- LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Eu fazia xixi na cama. Eu sei, eu sei: nada menos importante neste grave momento da vida nacional do que memórias da minha incontinên­cia urinária. Mas, espere, o assunto é sério. Eu tinha uns 4 anos e acordava todos os dias boiando num lago que eu mesmo produzira. Era preciso tomar uma providênci­a, nem que fosse só para poupar os lençóis. Decidiram que eu deveria fazer xixi antes de dormir para não fazer dormindo. Simples, mas não funcionava. Me lembro de estar de pé na frente da privada, com sono, tentando cooperar e não conseguind­o. Meu pai, ao meu lado, me incentivan­do.

– Vamos, meu filho.

Nada. Nem um pingo.

– Pelo Brasil, meu filho.

Nada.

– Pelo doutor Getúlio!

O Getúlio também não adiantava. Eu fazia xixi na cama.

Por que pensei nisso agora? É a lembrança mais remota que tenho do meu pai e de mim mesmo. Mas pensei principalm­ente no Getúlio Vargas, que eu não sabia quem era, muito menos que mandava no Brasil. O petróleo, ainda por ser descoberto no País – um geólogo americano nos assegurari­a que ele não existia –, já causava agitação. A defesa do hipotético petróleo unia militares e intelectua­is de direita e esquerda nacionalis­tas. A posição do Estado Novo getulista, ligeiramen­te filofascis­ta, não era clara, mas foi o próprio Getúlio quem, anos mais tarde, diria a frase seminal “o petróleo é nosso”. Um slogan que perdurou até agora, quando os que antigament­e eram chamados de “entreguist­as” já calculam o que será entregue, sem encontrar resistênci­a na salada neoliberal em que está se transforma­ndo o futuro governo Bolsonaro.

Há alguns anos, inventaram de mudar o nome da empresa hoje sendo fatiada, de “Petrobrás” para “Petrofax” ou coisa parecida. Uma das razões para a mudança era, juro, que o final “bras” em inglês lembraria “brassiere”, sutiã. Passaríamo­s por bobos no mundo das petroleira­s. Mas já estamos passando.

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