O Estado de S. Paulo

Técnico pronto

Campeão no Fortaleza, Rogério Ceni ainda não definiu seu destino em 2019.

- Marcius Azevedo ENVIADO ESPECIAL / FORTALEZA

À beira-mar, Rogério Ceni encontrou tranquilid­ade após passagem abrupta pelo São Paulo. Por diversas noites de pouco sono, o treinador desenhou treinos, esboçou maneiras de jogar e moldou o Fortaleza campeão com autoridade da Série B. O título elevou o patamar do ex-goleiro, que ainda não definiu o seu destino em 2019. Com proposta para renovar por mais dois anos, o técnico avalia os riscos de permanecer. O último ato pelo clube pode ser hoje, às 19h15, contra o Coritiba. Ao Estado, o técnico abriu o jogo sobre o ano que, segundo ele, foi genial.

• Você fica no Fortaleza? Temos uma reunião nesta sexta (hoje) para ver quais as expectativ­as do clube, o orçamento, o que podemos pensar sobre time. Quero ouvir do presidente o que é sucesso para ele... Ser campeão é difícil. Na Série B já foi surpreende­nte para muita gente. Na Série A, são muitas equipes com um poder de investimen­to grande e fica complicado fazer um campeonato tão bom. Não sou acomodado, gosto de trabalhar, correr riscos, desde que sejam relativame­nte calculados. Eu sabia que era possível entregar o que eles me pediram neste ano. Ano que vem, dependendo do que eles me peçam, vou avaliar se é possível. Se não der, não vou jogar fora todo um ano genial. Mas gosto daqui, da liberdade que tenho para trabalhar, para desenvolve­r os meus exercícios, das coisas que tenho como conceito de futebol. Acredito que no início da próxima semana já teremos uma definição.

• O que te faria ficar?

Ter condições melhores de trabalho, profission­alizar cada vez mais. Ter gramados melhores para se trabalhar. Atletas cada vez mais capacitado­s para se unirem aos sete, oito que temos com contrato (para 2019). Teremos de remontar um time do zero. É um processo longo, olhar vídeos, de cada 20 jogadores que você escolhe, consegue contratar apenas um. Além de gostar, encaixar no perfil, posição, há uma negociação, tem de esperar o empresário, o jogador, acertar salário. É um trabalho muito cansativo, são horas e horas, todos os dias. Não é um trabalho para começar em janeiro.

• Mas já sabe o orçamento que terá para isso?

Um esboço. O maior problema é que você precisa adquirir o jogador e isso tem um custo. Temos de esperar o mercado se acalmar. Alguns clubes terão o retorno de 20 jogadores. É observar, fazer apostas, fechar parcerias com clubes. E principalm­ente ter o jogador pelo ano todo. Não adianta vir com cláusula que pode sair. Você monta um time e pode não tê-lo em um momento importante. Tem de achar o bom jogador, que não teve um bom ano, e que você observa potencial para render no futuro para ter como pagar.

• Você recebeu outras ofertas? Não tenho absolutame­nte nada. Não conversei com nenhum outro clube, até em respeito ao Fortaleza. Não posso pedir um tempo para decidir e ir negociar com outro clube. A prioridade hoje é acertar aqui.

• Está pronto para assumir qualquer equipe, já que não existe mais o jogador e sim o técnico? Sei que você quer chegar em Palmeiras e Corinthian­s. A melhor resposta foi do presidente do Palmeiras (Maurício Galiotte). Ele disse que não seria produtivo. E concordo. A história é conflitant­e. Uma derrota bastaria para o torcedor dizer que eu sou são-paulino. É um respeito até com Palmeiras e Corinthian­s. Fora da capital, trabalhari­a em qualquer equipe. Tive um ano de aprendizad­o aqui, me desenvolvi muito no extracampo. No campo, eu tinha minha forma de trabalhar, que é a mesma do São Paulo. Estou preparado? Se eu ganhar, estou preparado. Se eu perder... O futebol é avaliado de trás para frente. Não é avaliado de janeiro para dezembro, do primeiro minuto até os

90. As pessoas avaliam o resultado. Estou apto para dirigir qualquer equipe.

• Dá para jogar do jeito que gostar em qualquer clube?

Tenho uma concepção de futebol. Se o meu time for igual ou superior ao que vou enfrentar, jogo para vencer o tempo todo. Se o meu time for inferior, tenho de encontrar um jeito de atacar me protegendo mais. Não posso fazer um jogo franco contra um time melhor do que o meu. No Fortaleza, conseguimo­s fazer um jogo de agredir o tempo todo. Agora não vou agredir uma equipe que vai me pegar no contra-ataque, que é superior. Por isso, trabalho tanto para desenvolve­r o meu time nos treinos. Faço jogos curtos, passes, intensidad­e alta, para que, se não for possível na qualidade, superar o adversário fisicament­e.

• Os jogadores entendem tudo o que você passa?

Alguns sofrem um pouco mais e outros pegam rápido. Para isso, tem de mostrar em campo. Isso faz ele realizar nos jogos tudo automatica­mente pelo exercício que você criou. Eu funciono muito à noite e de madrugada. Durmo pouco e é quando o cérebro trabalha. Então, às vezes, sento, olhando o mar, pego papel e caneta, e vou desenvolve­ndo um treino para o dia seguinte. E quando o treino bate com o que eu fiz, para mim, é uma realização. Quando eu era jogador tínhamos poucos treinament­os. Era finalizaçã­o, coletivo, alemão, rachão... Hoje temos mais de 200 treinament­os diferentes. E isso motiva o jogador.

• Qual a importânci­a do título? Assim como aquela Copa Conmebol em 1994 foi muito importante para o meu desenvolvi­mento como atleta, o título com o Fortaleza foi muito importante para o meu desenvolvi­mento como treinador. É apenas o meu segundo ano como técnico, o primeiro completo. O que é muito importante no Brasil. Aqui você não conta dez equipes que ficaram como o mesmo técnico no ano. Isso, por si só, já é uma grande vitória na carreira, ainda mais quando culmina com o título. Foi um ano bastante especial, um ano que dá sustentaçã­o para uma nova carreira.

• Você se consolidou entre os jovens treinadore­s?

Não existe o novo consolidad­o ou o velho ultrapassa­do. Existe cada trabalho. O que é bom hoje, amanhã pode não ser mais. É assim que funciona no futebol brasileiro. Você é avaliado pelo que produz naquele dia, naquela semana, naquele campeonato. A imprensa tem uma influência grande sobre os dirigentes e torcedores. Em um jogo posso te mostrar tudo de positivo e negativo, há direcionam­entos, mas está tudo dentro do pacote. Se o dirigente acredita no trabalho, ele mantém o treinador, independen­temente do resultado.

• Se tirarmos o presidente, você acha que já seria o momento de voltar ao São Paulo?

Não temos como tirar o presidente. O carinho pelo São Paulo será eterno. Hoje recebo mensagem de são-paulinos dizendo que são sócios-torcedores do Fortaleza por minha causa, que compraram o pacote da Série B. O São Paulo é uma outra realidade, é impossível o retorno agora. Um dia, se eu continuar bem na minha carreira, fizer bons trabalhos, e uma outra pessoa, com outra mentalidad­e entrar lá, vamos, quem sabe, voltar ao São Paulo.

• Mas existe o sentimento de que voltará um dia?

Não sei se volto.

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JARBAS OLIVEIRA/ESTADÃO
 ?? JARBAS OLIVEIRA/ESTADÃO ?? Campeão da Série B. Rogério Ceni avalia ano como genial
JARBAS OLIVEIRA/ESTADÃO Campeão da Série B. Rogério Ceni avalia ano como genial

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