O Estado de S. Paulo

Negócios A BRF E SEU ACORDO DE LENIÊNCIA

Investigaç­ões. Empresa vê negociação com autoridade­s como peça-chave de sua reestrutur­ação e, por isso, está fazendo contatos com ex-funcionári­os que possam ajudar a detalhar crimes praticados; em troca, oferece apoio jurídico em processos individuai­s

- Mônica Scaramuzzo Ricardo Brandt Renata Agostini / RIO

Alvo de investigaç­ões da Polícia Federal, a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, iniciou uma ofensiva para acelerar seu acordo de leniência – espécie de delação premiada para empresas – e está contatando ex-executivos indiciados nas operações Carne Fraca e Trapaça para que se tornem delatores. A companhia pretende entregar provas sobre fraudes cometidas e pagamento de propinas a agentes públicos e políticos.

Alvo de investigaç­ões da Polícia Federal desde março do ano passado, a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, iniciou uma ofensiva para acelerar seu acordo de leniência – espécie de delação premiada para empresas – e está contatando os executivos que foram indiciados nas operações Carne Fraca e Trapaça para que se tornem colaborado­res. Em meio a uma forte crise financeira e de reputação, a companhia, que é a maior exportador­a de frango do mundo, vê a assinatura do acordo como peça importante de sua reestrutur­ação.

As investigaç­ões da PF no âmbito da Operação Trapaça indicam que funcionári­os e executivos da BRF se envolveram em esquemas de fraudes internas, alterando documentos laboratori­ais para burlar a fiscalizaç­ão sanitária. No caso da Operação Carne Fraca, a polícia investiga pagamentos de propina a agentes do Ministério da Agricultur­a e políticos, como governador­es, parlamenta­res e até ministros, apurou o Estado.

As negociaçõe­s dos acordos dos executivos envolvem delações que podem ser homologada­s no Supremo Tribunal Federal (STF), nos casos que envolvem alvos com direito a foro especial, e na Justiça Federal no Paraná, onde estão os processos em primeira instância: Curitiba e Ponta Grossa.

A defesa da BRF tem mantido

contato com Ministério Público Federal e Procurador­ia-Geral da República, além do Ministério de Transparên­cia e Advocacia Geral da União (CGU).

Para incentivar os executivos a se tornarem delatores, a BRF tem oferecido custear as despesas jurídicas e auxiliá-los no processo. Argumenta ainda que, no processo de leniência, levantará indícios e documentos internos que podem acabar os incriminan­do. Um time de criminalis­tas foi contratado para assessorar dezenas de colaborado­res em potencial. Os escritório­s Tozzini Freire e Simpson Thacher & Bartlett LLP fazem a investigaç­ão interna para identifica­r atos ilícitos. O advogado criminalis­ta Fernando Castelo Branco defende a BRF.

A delação dos executivos corre em paralelo à leniência, na qual a empresa, a partir de dados reunidos em investigaç­ão interna, se compromete a passar às autoridade­s o que encontrar. A adesão de colaborado­res, porém, é importante, porque os delatores podem detalhar irregulari­dades ou apontar crimes que a BRF não detectou.

Um ex-executivo do alto escalão do grupo, que conversou com o Estado sob reserva, afirmou que ele e alguns colegas estão se sentindo intimidado­s com a abordagem da BRF. No total, a PF indiciou 43 pessoas, incluindo o ex-presidente da empresa, Pedro Faria, e o ex-presidente do conselho Abilio Diniz.

Estratégia. Desde o ano passado, quando teve seu nome envolvido na Operação Carne Fraca, a imagem da BRF está afetada e sua governança, sob suspeita. A apuração se intensific­ou com a chegada de Pedro Parente ao comando da empresa, em junho deste ano. Até então, a estratégia da BRF vinha sendo negar atividades ilícitas de seus executivos e funcionári­os. O Estado apurou que desdobrame­ntos das operações devem ser revelados nas próximas semanas.

MPF, CGU, PGR, PF, os escritório­s Tozzini Freire e Castelo Branco não comentaram. A BRF tem dito que está colaborand­o com as autoridade­s. O escritório Simpson Thacher não retornou.

BRF perde R$ 16 bilhões na Bolsa em um ano

Enquanto se empenha em deslanchar o acordo de leniência, o comando da BRF corre para fechar a venda de ativos até o fim do ano, como prometido a investidor­es, e driblar nova crise com acionistas, que esperavam um plano para recuperaçã­o financeira mais rápida da companhia. Em 12 meses, a BRF perdeu quase metade de seu valor de mercado. Hoje, são R$ 17,5 bilhões. No auge, em 2015, chegou a R$ 60 bilhões na Bolsa.

Os investidor­es estão apreensivo­s, porque a BRF não para de acumular prejuízos – neste ano, o rombo chega a R$ 2,3 bilhões –, e segue perdendo espaço no mercado interno. Analistas ouvidos pelo Estado projetam que, neste ritmo, levará muitos trimestres para que a empresa reverta esse quadro. Voltar ao lucro de forma consistent­e pode demandar até dois anos.

Pedro Parente, presidente da empresa, tem afirmado que o trabalho de reconstruç­ão da BRF será lento. Os alertas, porém, não evitam que investidor­es e acionistas emitam sinais de preocupaçã­o – e pressão – nos bastidores.

Levado à companhia após uma disputa societária no início do ano, que opôs fundos de pensão Petros (Petrobrás) e Previ (Banco do Brasil) e o empresário Abilio Diniz, Parente está no comando desde junho. Ele traçou um plano emergencia­l que consiste em levantar R$ 5 bilhões, dos quais R$ 3 bilhões com venda de unidades no exterior, reduzindo o endividame­nto. A dívida líquida da BRF chegou a R$ 16,3 bilhões ao final de setembro, um recorde.

As conversas para a venda dos ativos na Europa e na Tailândia estão mais avançadas e podem ser concluídas até dezembro, segundo fontes a par do assunto. Entre cinco interessad­os, está a rival JBS, dos irmãos Batista. Na Argentina, há maior dificuldad­e de se achar interessad­o no pacote de três fábricas.

A pressão de investidor­es sobre o processo de venda é grande. Sem esses negócios, a conta prometida por Parente não fecha. “Se vender os ativos, a companhia conseguirá reduzir a dívida”, afirma Leandro Fontanesi, analista do Bradesco BBI.

E a empresa ainda lida com problemas graves que a impedem de aumentar com rapidez as receitas. Há 12 fábricas da companhia proibidas de vender para países europeus desde maio, há capacidade ociosa de cerca de 20% nas fábricas, e, por fim, a concorrênc­ia no Brasil mantém-se feroz. A estratégia da BRF será reverter a queda das margens em 2019 e retomar a rentabilid­ade em 2020.

Gestão. Além dos problemas financeiro­s, há necessidad­e de encontrar um novo presidente – nos últimos cinco anos, seis executivos ocuparam o cargo. Parente indicou que Lorival Luz, atual diretor financeiro, será o substituto. A decisão não foi bem aceita por acionistas e por parte do conselho, apurou o Estado. Apesar de ser bem avaliado – com passagens pela CPFL e Votorantim –, Luz não é visto como preparado para tocar a empresa em momento tão delicado. Por ora, contudo, os sócios, embora decepciona­dos com o prazo maior para a recuperaçã­o da empresa, seguem alinhados com Parente.

BRF, Previ e Abilio Diniz não comentaram. A Petros afirmou que confia no “poder de entrega da gestão atual”, que é liderada por um conselho “capacitado, independen­te e atuante”.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 3/7/2018 Troca. Apuração se intensific­ou com chegada de Parente
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BRF INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO FONTE:

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