Negócios A BRF E SEU ACORDO DE LENIÊNCIA
Investigações. Empresa vê negociação com autoridades como peça-chave de sua reestruturação e, por isso, está fazendo contatos com ex-funcionários que possam ajudar a detalhar crimes praticados; em troca, oferece apoio jurídico em processos individuais
Alvo de investigações da Polícia Federal, a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, iniciou uma ofensiva para acelerar seu acordo de leniência – espécie de delação premiada para empresas – e está contatando ex-executivos indiciados nas operações Carne Fraca e Trapaça para que se tornem delatores. A companhia pretende entregar provas sobre fraudes cometidas e pagamento de propinas a agentes públicos e políticos.
Alvo de investigações da Polícia Federal desde março do ano passado, a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, iniciou uma ofensiva para acelerar seu acordo de leniência – espécie de delação premiada para empresas – e está contatando os executivos que foram indiciados nas operações Carne Fraca e Trapaça para que se tornem colaboradores. Em meio a uma forte crise financeira e de reputação, a companhia, que é a maior exportadora de frango do mundo, vê a assinatura do acordo como peça importante de sua reestruturação.
As investigações da PF no âmbito da Operação Trapaça indicam que funcionários e executivos da BRF se envolveram em esquemas de fraudes internas, alterando documentos laboratoriais para burlar a fiscalização sanitária. No caso da Operação Carne Fraca, a polícia investiga pagamentos de propina a agentes do Ministério da Agricultura e políticos, como governadores, parlamentares e até ministros, apurou o Estado.
As negociações dos acordos dos executivos envolvem delações que podem ser homologadas no Supremo Tribunal Federal (STF), nos casos que envolvem alvos com direito a foro especial, e na Justiça Federal no Paraná, onde estão os processos em primeira instância: Curitiba e Ponta Grossa.
A defesa da BRF tem mantido
contato com Ministério Público Federal e Procuradoria-Geral da República, além do Ministério de Transparência e Advocacia Geral da União (CGU).
Para incentivar os executivos a se tornarem delatores, a BRF tem oferecido custear as despesas jurídicas e auxiliá-los no processo. Argumenta ainda que, no processo de leniência, levantará indícios e documentos internos que podem acabar os incriminando. Um time de criminalistas foi contratado para assessorar dezenas de colaboradores em potencial. Os escritórios Tozzini Freire e Simpson Thacher & Bartlett LLP fazem a investigação interna para identificar atos ilícitos. O advogado criminalista Fernando Castelo Branco defende a BRF.
A delação dos executivos corre em paralelo à leniência, na qual a empresa, a partir de dados reunidos em investigação interna, se compromete a passar às autoridades o que encontrar. A adesão de colaboradores, porém, é importante, porque os delatores podem detalhar irregularidades ou apontar crimes que a BRF não detectou.
Um ex-executivo do alto escalão do grupo, que conversou com o Estado sob reserva, afirmou que ele e alguns colegas estão se sentindo intimidados com a abordagem da BRF. No total, a PF indiciou 43 pessoas, incluindo o ex-presidente da empresa, Pedro Faria, e o ex-presidente do conselho Abilio Diniz.
Estratégia. Desde o ano passado, quando teve seu nome envolvido na Operação Carne Fraca, a imagem da BRF está afetada e sua governança, sob suspeita. A apuração se intensificou com a chegada de Pedro Parente ao comando da empresa, em junho deste ano. Até então, a estratégia da BRF vinha sendo negar atividades ilícitas de seus executivos e funcionários. O Estado apurou que desdobramentos das operações devem ser revelados nas próximas semanas.
MPF, CGU, PGR, PF, os escritórios Tozzini Freire e Castelo Branco não comentaram. A BRF tem dito que está colaborando com as autoridades. O escritório Simpson Thacher não retornou.
BRF perde R$ 16 bilhões na Bolsa em um ano
Enquanto se empenha em deslanchar o acordo de leniência, o comando da BRF corre para fechar a venda de ativos até o fim do ano, como prometido a investidores, e driblar nova crise com acionistas, que esperavam um plano para recuperação financeira mais rápida da companhia. Em 12 meses, a BRF perdeu quase metade de seu valor de mercado. Hoje, são R$ 17,5 bilhões. No auge, em 2015, chegou a R$ 60 bilhões na Bolsa.
Os investidores estão apreensivos, porque a BRF não para de acumular prejuízos – neste ano, o rombo chega a R$ 2,3 bilhões –, e segue perdendo espaço no mercado interno. Analistas ouvidos pelo Estado projetam que, neste ritmo, levará muitos trimestres para que a empresa reverta esse quadro. Voltar ao lucro de forma consistente pode demandar até dois anos.
Pedro Parente, presidente da empresa, tem afirmado que o trabalho de reconstrução da BRF será lento. Os alertas, porém, não evitam que investidores e acionistas emitam sinais de preocupação – e pressão – nos bastidores.
Levado à companhia após uma disputa societária no início do ano, que opôs fundos de pensão Petros (Petrobrás) e Previ (Banco do Brasil) e o empresário Abilio Diniz, Parente está no comando desde junho. Ele traçou um plano emergencial que consiste em levantar R$ 5 bilhões, dos quais R$ 3 bilhões com venda de unidades no exterior, reduzindo o endividamento. A dívida líquida da BRF chegou a R$ 16,3 bilhões ao final de setembro, um recorde.
As conversas para a venda dos ativos na Europa e na Tailândia estão mais avançadas e podem ser concluídas até dezembro, segundo fontes a par do assunto. Entre cinco interessados, está a rival JBS, dos irmãos Batista. Na Argentina, há maior dificuldade de se achar interessado no pacote de três fábricas.
A pressão de investidores sobre o processo de venda é grande. Sem esses negócios, a conta prometida por Parente não fecha. “Se vender os ativos, a companhia conseguirá reduzir a dívida”, afirma Leandro Fontanesi, analista do Bradesco BBI.
E a empresa ainda lida com problemas graves que a impedem de aumentar com rapidez as receitas. Há 12 fábricas da companhia proibidas de vender para países europeus desde maio, há capacidade ociosa de cerca de 20% nas fábricas, e, por fim, a concorrência no Brasil mantém-se feroz. A estratégia da BRF será reverter a queda das margens em 2019 e retomar a rentabilidade em 2020.
Gestão. Além dos problemas financeiros, há necessidade de encontrar um novo presidente – nos últimos cinco anos, seis executivos ocuparam o cargo. Parente indicou que Lorival Luz, atual diretor financeiro, será o substituto. A decisão não foi bem aceita por acionistas e por parte do conselho, apurou o Estado. Apesar de ser bem avaliado – com passagens pela CPFL e Votorantim –, Luz não é visto como preparado para tocar a empresa em momento tão delicado. Por ora, contudo, os sócios, embora decepcionados com o prazo maior para a recuperação da empresa, seguem alinhados com Parente.
BRF, Previ e Abilio Diniz não comentaram. A Petros afirmou que confia no “poder de entrega da gestão atual”, que é liderada por um conselho “capacitado, independente e atuante”.