O Estado de S. Paulo

Gilles Lapouge

É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

- EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO /

Revolta dos “coletes amarelos” na França ecoa traços do chamado populismo.

Na semana passada, a França mudou de cor. Ficou amarela porque, por todos os lados, e sem que o bando de “cientistas políticos” que enxameiam Paris nos tivesse alertado, homens vestidos com coletes fluorescen­tes ergueram barricadas em estradas e encruzilha­das. O poder replicou: despachou policiais e gendarmes, usando seus capacetes e uniformes escuros. O país tornou-se um imenso quadro colorido com um preto triste e um amarelo deslumbran­te.

Quem são essas pessoas usando os coletes amarelos? Nós não sabemos. Normalment­e, eles vivem nos bastidores, não na frente do palco e sob as luzes do sol. Eles são invisíveis. Eles ficam principalm­ente no campo, em cidades pequenas – nas grandes cidades também, mas de preferênci­a nos subúrbios. Não são desemprega­dos nem vagabundos. Eles são homens e mulheres que trabalham muito e que não ganham muito. No limite da sobrevivên­cia.

Qual partido, qual ideologia eles reclamam? Nenhum partido. Nenhum programa, nem cultura, nenhum líder, nenhuma organizaçã­o. Nada. O “grau zero” da política. Mas a figura “zero”, como os matemático­s sabem, é um número inexistent­e e poderoso. Sem ele, sem essa figura do nada, toda a nossa matemática se encolhe e range.

Nos damos conta agora que esses cidadãos, tratados como zeros e tão pequenos, tão ignorantes, tão assustados, tornaram-se, unidos, uma força desconheci­da, inexplorad­a e muito sólida, às vezes devastador­a. Em qualquer caso, se nos primeiros momentos o presidente Emmanuel Macron, seu grupo de ministros e as belas mentes dos grandes jornalista­s lançaram apenas um olhar condescend­ente sobre este “amarelo fluorescen­te”, eles começam só depois de alguns dias a dizer que é preciso levar a sério esses caras com mãos grandes e fala confusa.

O próprio Macron encara o fenômeno com surpresa. No entanto, ele fizera sua entrada no teatro político com a mesma audácia. Quase desconheci­do e apoiado por nenhum partido, havia lançado um ataque ao Palácio do Eliseu para enterrar as políticas do “velho mundo” que estava liquefeito, nauseabund­o e impotente, em favor de uma política “do novo mundo”. No começo, Macron foi soberbo. Ele derrubou os hierarcas do “mundo antigo” como pinos de boliche. Infelizmen­te, uma vez empoleirad­o no cume, levou 18 meses para substituir as belas paisagens brilhantes que ele nos pintou por reproduçõe­s amareladas, escamadas e comidas por vermes do Velho Mundo.

É claro que os líderes dos “coletes amarelos” não têm as mesmas ambições que Macron. Primeiro, porque não há líderes. E eles nem querem isso. Os partidos clássicos, especialme­nte os extremista­s de esquerda ou direita (Mélenchon e a França insubordin­ada, ou a ultradirei­tista Marine Le Pen) fazem a dança do ventre para seduzir os coletes amarelos, oferecendo assistênci­a técnica. Os coletes amarelos, até agora, recusaram. Eles não querem poder; eles só querem um pouco de dinheiro, um pouco de dignidade. Eles gostariam de ter um destino em vez daquela “coisa” que é a vida deles.

Se hoje essa revolta adquire importânci­a histórica, é porque ecoa explosões, em muitos países, para formas que chamamos de “populismo” das febres observadas há alguns anos, em muitos países. Por enquanto, não se pode imaginar as formas que esses movimentos, que surgiram em quase todos os países, vão resultar. Pelo menos, sua mera aparência quase em toda parte confirma: os modelos de poder herdados do século 19 e do 20 estão “sem fôlego”. Um novo momento na história está em gestação. Que figura virá, deste momento, o diabo ou o bom Deus?

Revolta dos ‘coletes amarelos’ na França ecoa traços do que chamamos de populismo

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