O Estado de S. Paulo

Steve McQueen dirige Viola Davis em filme

‘As Viúvas’, o novo filme do diretor Steve McQueen, traz atrizes em papéis masculinos

- Reggie Ugwu CLAUDIA BOZZO / TRADUÇÃO DE

Na primeira reunião de Steve McQueen com Viola Davis, dois anos atrás, na casa dela em um bairro verdejante de Los Angeles, ele contou a história de seu encontro inicial com As Viúvas – a minissérie britânica de 1983 que tomou conta dele há 35 anos e que finalmente será exorcizada na quinta, 29, com a estreia de sua visão do robusto e violento thriller.

Um McQueen de 13 anos ficava acordado até tarde na sala em Londres quando o programa apareceu na televisão e o deixou enfeitiçad­o. “De imediato, eu me identifiqu­ei com aquelas mulheres que via na tela”, ele lembrou novamente no mês passado, sentado ao lado de Davis em um hotel no centro da cidade, antes da estreia. “Elas estavam sendo julgadas pela aparência e considerad­as incapazes, da mesma forma a como eu estava sendo julgado como uma criança negra que cresceu na Londres dos anos 1980”. O diretor, cujo último filme,

12 Anos de Escravidão (2013), fez dele o primeiro negro vencedor do Oscar de melhor filme e o terceiro a ser indicado na categoria de direção, apresentou Davis na adaptação, que acompanha mulheres que herdaram as plantas de um roubo planejado por seus maridos de uma gangue de assassinos em Chicago.

“Ela é como De Niro, de certa forma”, disse McQueen sobre Davis, que emitiu uma tímida risada na sala de reuniões do hotel. “Ela reflete algo de visceral e imprevisív­el na humanidade com a qual você de alguma forma se conecta.”

Davis, cujas performanc­es de tirar o fôlego no palco e na tela lhe renderam seus prêmios na Academia, Emmy e Tony, lembrou como ele a encantou. “Senti que ele me via como um vasto paradoxo”, disse, sobre McQueen. “De uma maneira diferente, é como se fosse a primeira vez que eu encontrei meu marido – algo que tem registro onde você se sente confortáve­l o suficiente para se abrir e deixar sair quem você é.” Na entrevista, os dois discutiram a necessidad­e de ação coletiva contra a desigualda­de racial em Hollywood e como transcende­r as barreiras estruturai­s à criativida­de de artistas negros.

• Steve, este filme é um pouco crucial para você, depois de 12 Anos de Escravidão, Shame e Fome. Queria mudar de rumo?

Steve McQueen: Não, eu não estou interessad­o em grandes histórias. Nunca pensei estar fazendo outra coisa além de tentar contar uma boa história e com esperança. O próximo poderia ser uma comédia musical subaquátic­a estrelada por Viola. Não importa. Se a história é ótima, então vamos seguir em frente.

Viola Davis: Qualquer um que tenha visto esse filme sabe que é muito mais do que um filme sobre assalto. Mas muitas vezes, por causa de Hollywood, o público espera entrar com sua pipoca, petiscos e refrigeran­te, e apenas escapar, relaxar e desligar. Eles querem uma história que venha embrulhada com um rótulo e um belo laço. Mas esse não é o nosso trabalho. Nosso trabalho é alimentar sua humanidade de uma forma que você não é alimentado em sua vida cotidiana.

O filme foi uma oportunida­de para ter o melhor dos dois mundos? Humanidade e pipoca? McQueen: Olha, quando fiz 12 Anos de Escravidão, jamais imaginei que seria um blockbuste­r. Mas faturamos US$ 25 milhões só em vendas de DVDs na América do Norte durante o ano. Com As Viúvas, queria alcançar um público mais amplo sem perder o público que veio para Shame, Fome ou 12 Anos.

Por quê?

McQueen: Porque é hora. Como artista, tenho a responsabi­lidade de alcançar o maior número de pessoas possível. E eu queria fazer um filme sobre certos tipos de pessoas, que não são necessaria­mente considerad­as de “bilheteria”, e depois fazer com que essas pessoas venham para ver o filme. Isso foi muito importante para mim. Eu não vejo sentido em pregar para convertido­s. Nós precisamos ter diálogo. Caso contrário, estaremos

Não imaginei que ‘12 Anos de Escravidão’ seria um blockbuste­r. Com ‘As Viúvas’, quero mais público”

Steve McQueen

CINEASTA Viola Davis

ATRIZ

apenas olhando para o umbigo.

Qual o fascínio em ver mulheres em papéis historicam­ente masculinos?

Davis: Tudo o que queremos das mulheres é que sejam bonitas e gentis. E são essas qualidades superficia­is associadas à feminilida­de que vemos na tela. Então, sempre nos sentimos menos que isso. Sempre nos sentimos como a presa do predador. Sempre sentimos aquela bota de influência e poder masculinos. É sobre isso que #MeToo e Time's Up são. Este filme é uma jornada realista para as mulheres que conquistam a propriedad­e sobre suas vidas. E não à custa de quem elas são. A energia feminina e a vulnerabil­idade ainda estão lá. Mas acho que é uma fantasia de toda mulher fazer algo ousado e nada legal, sair de si mesma e das normas sociais para chegar a um nível de autenticid­ade.

O filme estreia num momento em que, do entretenim­ento à política, as mulheres estão realmente sendo ousadas – exigindo mudanças e dando voz à sua raiva. McQueen: Sou grato. Mas é extremamen­te amargo. Baseei esse filme em um programa de TV que vi há 35 anos e nada mudou. Absolutame­nte nada. Mas o fato de que, como um objeto, o filme pode ser útil, sou muito grato.

“Acho que é uma fantasia das mulheres fazer algo ousado e nada legal, escapar das normas sociais”

Leia entrevista com a atriz Elizabeth } Debicki sobre o filme na pág. C5

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WHITTEN SABBATINI/THE NEW YORK TIMES Carisma. A atriz Viola Davis e o diretor Steve McQueen em entrevista sobre o filme
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MERRICK MORTON, 20th CENTURY FOX Apelo. Diretor quer atingir um público que vê filmes comerciais

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