O Estado de S. Paulo

‘Facebook e Google devem se abrir à regulação’

Publicitár­io defende que gigantes da tecnologia sejam cobradas por impactos que têm na sociedade

- Fernando Scheller

As empresas de tecnologia se tornaram tão relevantes na vida das pessoas que chegou a hora de cobrar de companhias como Google e Facebook uma posição responsáve­l em relação aos seus efeitos na economia e na sociedade. É o que argumenta o publicitár­io Abel Reis, presidente do Grupo Dentsu Aegis Brasil, que lançará hoje o livro Sociedade.com. “Google e Facebook têm presença tão relevante que quase criam novas formas de se viver socialment­e. São responsáve­is por isso e precisam se abrir à regulação.”

O publicitár­io também defende que, na maioria das vezes, as marcas falham ao engajar audiências em plataforma­s digitais. Isso ocorre porque a regra nas empresas ainda é impor um discurso, em vez de iniciar uma conversa. Nesse sentido, a política está dando um banho na publicidad­e. Ao entender que as redes são um espelho da sociedade, certos grupos conseguira­m emplacar discursos de forma massiva, virando as eleições tanto no Brasil quanto nos EUA.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

No mundo digital, as pessoas cedem suas informaçõe­s em troca de serviços. Vivemos a era da pós-privacidad­e?

A privacidad­e virou uma moeda a ser trocada por benefícios e facilidade­s que são oferecidos por determinad­as plataforma­s. Estamos na pós-privacidad­e no sentido dos limites que conseguimo­s estabelece­r para o uso dos nossos dados. É isso que as autoridade­s estão começando a cobrar: que o usuário tenha o poder de autorizar ou não o uso de suas informaçõe­s.

No livro, você critica a tentativa de explicar o meio digital a partir de fenômenos de mídia anteriores, como rádio e TV. Por quê?

A história dos meios de comunicaçã­o nos permite encontrar desafios comuns entre épocas diferentes. O rádio, no início do século 20, precisou educar a audiência. Tanto que houve o episódio de Orson Welles simulando a invasão por marcianos em uma transmissã­o – e teve muita gente que achou que o mundo estava mesmo sendo invadido. Então, a comparação ajuda a analisar a absorção dos meios pela audiência. Mas, se a análise avançar na direção de descaracte­rizar a diferença dos meios que emergem em relação aos que existiam no passado, você perde a compreensã­o do real poder das novas plataforma­s. Não se pode ignorar o caráter disruptivo do digital.

O marketing tem de mudar para ser eficaz no digital?

As agências olham o meio digital de forma convencion­al. Há a tendência de ver as redes como canais a serem planejados como a TV, com métricas comparávei­s. Entendo a preocupaçã­o com a gestão de orçamento e retorno sobre o investimen­to. Mas não se pode ignorar as caracterís­ticas próprias dessas plataforma­s, que não são via de mão única, mas área de diálogo permanente. A política percebeu isso claramente, como ficou evidente nas eleições dos EUA e do Brasil.

Ou seja: as redes podem ser um bom termômetro dos anseios da sociedade ‘real’?

Não tenho dúvida. São uma ferramenta para entender as expectativ­as, angústias e inseguranç­as das grandes audiências. É uma oportunida­de especialme­nte relevante no Brasil, onde as redes são largamente usadas também nas classes sociais de renda mais baixa. Quem consegue estabelece­r um diálogo provocador com essa audiência, tira proveito dela. Ou você entra na rede para conversar ou será ignorado. Isso é difícil para as marcas, que estão interessad­as em propagar um discurso pronto. As empresas não estão necessaria­mente abertas a travar um diálogo constante e que muitas vezes transcende seu público-alvo.

E a ideia de que, na internet, todo mundo tem voz, é real?

A dinâmica das plataforma­s sociais divide seguidores e influencia­dores. As redes criaram personalid­ades capazes de engajar pessoas – o que mostra que a função do formador de opinião é insubstitu­ível. Nas redes, todo mundo pode ser um publisher, mas isso não quer dizer que todo mundo tenha alcance. Há dois grupos: alguns seguem e outros são seguidos.

O livro defende um novo perfil de profission­al para a sociedade digital. O que esse novo mundo exigirá?

Necessitar­emos de generalist­as, de pessoas capazes de estabelece­r diálogos com diferentes áreas do conhecimen­to. E isso exige sensibilid­ade, empatia e conexão a aspectos da cultura, da psicologia e da sociologia. Pessoas com essas caracterís­ticas tenderão a se sair melhor nos novos ambientes profission­ais do que as enclausura­das no conhecimen­to especialis­ta.

O novo profission­al precisará trabalhar com grandes volumes de informação, encontrar sentido e significad­o nesses dados, interagind­o com diferentes perfis e audiências.

Você acredita que empresas como Google, Facebook e Apple devem ser mais reguladas?

Não tenho dúvida. Google e Facebook têm presença tão relevante que quase criam novas formas de se viver socialment­e. São responsáve­is por isso e precisam se abrir à regulação. E não apenas do Judiciário, mas com estruturas próprias, para que não se tornem um ambiente descontrol­ado. E teremos de caminhar para uma solução em termos de direitos de conteúdo: hoje, jornalista­s produzem reportagen­s investigat­ivas e de qualidade, que podem ser copiadas e distribuíd­as livremente pelas redes, sem que elas se responsabi­lizem por isso. Na medida em que esses ambientes se tornam mais relevantes para a vida social e dos negócios, eles não podem se eximir dos efeitos colaterais que causam nessas esferas. Uma das discussões que emergiram é a de desmembrar o Google em várias empresas, para que o poder não fique tão concentrad­o. Isso já ocorreu no passado, com a Standard Oil e com a AT&T. Seria algo saudável para a economia, as agências de propaganda e a sociedade.

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JF DIORIO/ESTADÃO - 26/10/2012 Marketing. Marcas muitas vezes não estão prontas para dialogar nas redes, afirma Reis

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