Médico brasileiro aponta novos caminhos para doença que já foi considerada incurável
Com tratamento humanizado e multidisciplinar, médico neuromuscular Beny Schmidt relata avanços na reabilitação da esclerose lateral amiotrófica
Aesclerose lateral amiotrófica, conhecida pela sigla ELA, é degenerativa, temida e rara. São estimados somente cerca de 200 mil casos no mundo todo. É a doença do desafio do gelo, que viralizou na internet em 2014, e do físico Stephen Hawking. Devido à paralisia motora progressiva que causa, seus portadores perdem a habilidade de andar, falar, engolir, e morrem, geralmente, após cerca de quatro anos. Mas um tratamento multidisciplinar liderado pelo médico Beny Schmidt – professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e idealizador e fundador do laboratório de Patologia Muscular da Escola Paulista de Medicina, atualmente o maior acervo de patologia neuromuscular do mundo, com correlação clínica – promete lançar bases mais otimistas para os diagnosticados.
Pacientes tratados pelo especialista em clínicas particulares da cidade de São Paulo apresentaram evolução de suas funções motoras e aumento na qualidade de vida. Para Schmidt, a melhora mais representativa foi a de um homem de 48 anos que, com menos de cinco meses de tratamento e após 10 anos de diagnóstico, conseguiu ficar em pé na piscina, movimentar braços e pernas, e sustentar a cabeça. Os avanços podem até parecer pequenos diante de uma enfermidade comum, mas não quando se trata de uma em que comumente só são vistas perdas.
A reabilitação proposta por Schmidt reúne psicologia; fisioterapias respiratória, motora e aquática; fonoaudiologia, terapia ocupacional; e até acupuntura; aulas de piano, canto e yoga; além de acompanhamento psiquiátrico e nutricional. A equipe conta com um número de 22 a 30 profissionais, dependendo do caso. Leia trechos da entrevista com o médico neuromuscular Beny Schmidt sobre este caminho promissor para os pacientes com ELA. “As emoções podem ser a principal causa das patologias humanas” Como o senhor se envolveu com o tratamento de esclerose lateral amiotrófica?
Schmidt: Nunca quis trabalhar com ELA, porque tinha como certo o que está na literatura médica, que a doença só piora. Mas comecei a atender um paciente que, sem eu saber que era portador, recuperou a marcha. Foi quando descobri que a reabilitação era possível. Depois, tratamos alguns diagnosticados que melhoraram muito, sobretudo quando os colocamos na água com a fisioterapia aquática. Passaram a ficar em pé e até voltaram a andar e a correr. Vida é movimento. Há quanto tempo desenvolve a reabilitação e quantos pacientes já a receberam?
Schmidt: Nos últimos dois anos, tratamos dez portadores de ELA, e todos apresentaram melhoras. Concluímos que a causa da enfermidade está intimamente ligada ao emocional, principalmente a problemas familiares. Então disponibilizamos psiquiatras e psicólogos, além da atividade física. Com a psicoterapia, os pacientes se agarram à fisioterapia de maneira emocionante. É com ela que tudo começa. As emoções podem ser a principal causa das patologias humanas. Como costumam ser realizados o diagnóstico e o tratamento da doença?
Schmidt: O diagnóstico demora cerca de um ano e, muitas vezes, é dado de maneira dura:‘você tem ELA, seu tempo de vida varia de dois a quatro anos, e não há um tratamento específico’. Geral- mente, recomenda-se fisioterapia e um medicamento muito caro que aumenta a expectativa de vida em apenas de três a cinco meses. O remédio não está entre as causas da melhora, pois os nossos pacientes que tomaram e os que não ingeriram evoluíram da mesma maneira. Além disso, nossas ‘armas’ se mostraram mais poderosas do que a medicação. O que você iria preferir se fosse portador de ELA: ficar sentado em casa, tomando remédio e esperando a morte chegar, ou lutar contra isso? Dependendo de como o médico dá a notícia, a vida ‘acaba’. Ao ouvir que tem só dois anos de vida, como serão esses anos? Mas a vida não deve terminar com o diagnóstico. Quando falamos que vamos lutar, os pacientes se enchem de garra para realizar o tratamento. Quais avanços foram percebidos com este novo tratamento?
Schmidt: A reabilitação que implementamos traz de volta a vontade de viver. Um de nossos pacientes canta, apesar da traqueostomia, através da válvula de fala. A música, com aulas de canto e piano, apresentou melhores resulta- dos do que a própria fonoaudiologia. Associando as duas, os avanços se tornam ainda maiores. Um de nossos pacientes, em menos de cinco meses de tratamento, já está cantando, mexendo braços e pernas e sustentando a cabeça. Essa sustentação por si só já seria sensacional, pois permite dormir. Ele também conseguiu ficar em pé na piscina. Já uma paciente, de 56 anos, teve melhora na força muscular e na fala em menos de oito meses. Voltou a andar e até a trabalhar. Os dois casos serão levados à Sociedade Internacional de Esclerose Lateral Amiotrófica, no simpósio mundial sobre a doença que acontece na Austrália em 2019. Como surgiu a ideia de inserir música na recuperação?
Schmidt: Tive um paciente infantil com miopatia cuja voz melhorou muito por meio do piano e do canto. Quis replicar no tratamento com ELA e deu certo. Com esses avanços, é possível, hoje, falar em cura da ELA? Schmidt: Acredito que o restabelecimento total está muito próximo e não se dará por terapia gênica nem pela indústria farmacêutica, e sim com medicina humanista, psicoterapia e conhecimento neuromuscular para identificar músculos e funções mais comprometidos. No nosso tratamento, priorizamos devolver a rotina e a independência da pessoa. A medicina prescritiva é muito limitante. Ficar sentado em um consultório receitando medicamentos não abrange a beleza da profissão. Médico tem que participar do tratamento de seu paciente, lado a lado. Precisa conhecê-lo. A anamnese, que é conversar com o paciente, é a parte mais importante do ato médico. Falo com meus pacientes todos os dias, mesmo que seja por WhatsApp. Eles têm meu celular e podem me ligar a qualquer momento, porque estar presente faz diferença e dá segurança a eles. Dessa vez, a ELA não será a bandida da história. Será um alerta para que se procure por cuidados integrativos também para outras doenças. A próxima revolução da medicina não será com medicação, mas, sim, no tratamento humanizado.