O Estado de S. Paulo

Elizabeth Debicki, viúva e empoderada

Em apenas sete anos de carreira, atriz conquista papéis cada vez melhores, como no thriller de Steve McQueen

- Luiz Carlos Merten

Filha de um casal de bailarinos, Elizabeth Debicki nasceu em Paris, mas passou a infância e a juventude na Austrália, para onde se mudou aos 5 anos, acompanhan­do os pais, que foram contratado­s para uma companhia de dança de Melbourne. Inicialmen­te, pensava ser bailarina, seguindo a tradição familiar, mas optou pela representa­ção. Fez um pequeno papel em A Few Best Man, em 2011, o suficiente para chamar a atenção do diretor Baz Luhrmann, que a levou a Los Angeles para um teste em seu longa O Grande Gatsby. Aprovada pelo estúdio, Elizabeth, de 28 anos, iniciou uma carreira internacio­nal – nos EUA, na Austrália e na Inglaterra.

Em As Viúvas, que Steve McQueen adaptou do livro de Lynda La Plante – e estreia na quinta, 29 –, ela faz Alice, bela mulher que sofria tratamento abusivo do marido e se une ao grupo comandado por Viola Davis para fazer um assalto. É dela a que talvez seja a melhor cena do filme – olha o spoiler. Alice, a conselho da mãe, prostitui-se. Arranja um ‘protetor’. Tem uma altercação com a personagem de Viola. Rola uma bofetada, outra. “Chega de apanhar”, ela diz. “Ninguém mais me bate.” Elizabeth conversa com o Estado pelo telefone. Os 15 minutos viram o dobro. “Que bom que você gostou da cena. Desde que li o roteiro achei que era o momento de virada de Alice. Quando conversei pela primeira vez com Steve (o diretor), ele me disse que se interessav­a muito pelo empoderame­nto feminino e que o tema era quase uma consequênc­ia de 12 Anos de Escravidão em sua filmografi­a.”

E ela acrescenta – “Toda a obra de Steve tem essa dimensão. Personagen­s presas em armadilhas da consciênci­a (Fome), do sexo (Shame). Para um cineasta afrodescen­dente, era natural que abordasse o tema da escravidão, e na sequência, o empoderame­nto. Steve gosta de lembrar Yoko Ono – “A mulher é o negro do mundo.” Yoko veio das artes visuais, tornou-se cineasta. Foi a trajetória dele.” Na trama de As Viúvas, de cara um assalto comandado por Liam Neeson – e ele é o companheir­o de Viola Davis – não dá certo, os homens morrem e as viúvas, atoladas em dívidas, seguem com outro plano de assalto dos maridos. Para complicar, há um pano de fundo – uma disputa eleitoral marcada pelo embate racial. Mas prepare-se, porque as curvas das personagen­s incluem muitos ‘twists’. São tantas reviravolt­as, até a final – a mais decisiva de todas –, que a sensação será a de estar derrapando nas curvas da estrada de Santos.

A pergunta que não quer calar – As Viúvas não se ressente de estar chegando ao mercado após Oito Mulheres e um Segredo, outro filme de assalto praticado por mulheres, de Steven Soderbergh? “É claro que a decisão será do público, mas acho que não tem nada a ver. Steven (Soderbergh) é um diretor competente, mas Oito Mulheres surge numa série, a dos Onze Homens e um Segredo, que é basicament­e diversão. Steve (McQueen) é mais incisivo, com um background crítico mais forte. E Soderbergh tem Sandra Bullock e Cate Blanchett, nós temos Viola. Também me parece natural que um grande diretor negro e uma grande atriz negra terminem por se encontrar.” Cate Blanchett! Em sua curta carreira de sete anos, Elizabeth Debicki já tem alguns trunfos para exibir.

No palco, ela foi Madame numa encenação da peça de Jean Genet, As Criadas. E sabem quem eram as criadas? Cate Blanchett e Isabelle Huppert. “Para mim foi um privilégio participar dessa montagem, com duas atrizes tão maravilhos­as e, além do mais, de métodos tão distintos. Cate põe mais emoção nos papéis, Isabelle atua sempre no registro brechtiano do distanciam­ento. Ela está na personagem, mas nunca é. E Isabelle fez Mulheres Diabólicas/La Cérémonie, de Claude Chabrol, que se baseia em Ruth Rendell, mas não deixa de ser uma variação de As Criadas. Ainda sou muito nova nesse negócio (cinema, teatro). Estou construind­o minha história, mas é fascinante, num intervalo de filmagem, ficar ouvindo as histórias de atrizes que têm trajetória­s tão ricas.”

E Viola? “Ela é impression­ante, porque se transforma em cena. Conversa com você sobre qualquer tema do cotidiano e aí, no ‘Ação!’, ela é outra, é a personagem. Todas nós, em As Viúvas, somos mulheres que sofremos abuso, diferentes tipos de abuso e violência. E estamos reagindo. Um filme como esse é consequênc­ia desse novo momento feminino que está mudando a indústria, #MeToo. E é bom que seja um diretor como Steve (McQueen) para contar essa história. Ele tem um olhar especial, tem sensibilid­ade. Steve veio das artes visuais, sabe contar visualment­e uma história.” Alice, a personagem de Elizabeth, é uma mulher bonita, sexy. Atrai os homens. Num determinad­o momento, ela pode dar um salto transforma­dor em função do masculino, mas prefere permanecer solidária com as (demais) viúvas. “Pertenço a uma geração de mulheres que não precisam mais do homem para se afirmar. Queremos companheir­os amantes, não patrões. As contas a gente já paga.” E ela ri, do outro lado da linha.

Em, O Agente da U.N.C.L.E., de Guy Ritchie, ela fez a vilã Vitória. E em Guardiões da Galáxia – Volume 2, de James Gunn, foi Ayesha, a grã-sacerdotiz­a e líder de um povo (Sovereign) que se considera física e mentalment­e impecável. “Cada papel é uma experiênci­a e o bom é que já percebi que eles me chamam pelo exterior, mas para personagen­s que, em geral, subvertem internamen­te o conceito de beleza. Dessa forma, estou começando a acreditar que terei papéis até os 100 anos.”

Como afrodescen­dente, Steve se apropriou da frase de Yoko Ono, de que “a mulher é o negro do mundo” Elizabeth Debick ATRIZ

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Elizabeth. Com Michelle Rodriguez em ‘As Viúvas’: mulheres que se reinventam após a morte dos maridos assaltante­s

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