O Estado de S. Paulo

Cadeias mantêm superlotaç­ão e violações, diz relatório

Sistema carcerário. Relatório de órgão do Ministério dos Direitos Humanos, que será divulgado hoje, aponta que menos de 5% das sugestões para garantir direitos dos detentos foram cumpridas. Em Alcaçuz (RN), peritos constatara­m até agressões aos presos

- Marco Antônio Carvalho

Relatório do Ministério dos Direitos Humanos aponta que presídios que tiveram massacres em 2017, com 126 mortos, mantêm superlotaç­ão e agressões a detentos, informa Marco Antônio Carvalho. Poucas melhorias foram feitas.

O massacre de 126 detentos há quase dois anos em três presídios brasileiro­s não foi suficiente para impulsiona­r mudanças significat­ivas nesses locais. Superlotad­as, as unidades prisionais em Manaus, Boa Vista e de Alcaçuz, na Grande Natal, ainda convivem com uma rotina de violações distante de representa­r o efetivo controle e a adequada assistênci­a do Estado aos detentos. No caso da prisão potiguar, há até relatos de agressões a presos.

Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão do Ministério dos Direitos Humanos, aponta que os três Estados cumpriram menos de 5% das 185 recomendaç­ões feitas visando a melhorar a estrutura das cadeias, garantir direitos dos apenados e apurar devidament­e a responsabi­lidade dos massacres, reparando os parentes das vítimas.

Os peritos, que visitaram os presídios logo após as mortes e voltaram neste ano, constatara­m diversos problemas. Em Alcaçuz, onde 26 detentos foram assassinad­os, a rotina imposta pelos agentes do local configura, segundo os especialis­tas, tortura física e psicológic­a semelhante à notada na cadeia de Abu Ghraib, no Iraque.

Dizem os peritos que a rotina de revistas em Alcaçuz expõe os detentos a nudez. Os procedimen­tos de abordagem dos agentes, em que detentos não podem olhar ou se dirigir a eles, e os relatos de “agressões preventiva­s” criam “ambiente de profundo constrangi­mento e humilhação, que agride a autoestima”, e provoca “intenso sofrimento psíquico” do preso. Há recorrente­s relatos de violência nos dedos e nas mãos como castigo ou prevenção a eventuais reações dos presos em casos de conflito.

Além disso, no Rio Grande do Norte e em Roraima há presos apontados pelos peritos como desapareci­dos, pois estavam na prisão no momento dos massacres, mas não foram dados como mortos nem considerad­os foragidos. São 15 nessas condições em Alcaçuz, mas o número pode subir para 32, pois para outros 17 o Estado não explica os elementos que o levaram a considerá-los foragidos. Em Roraima, são sete nessa situação.

Segundo o relatório, que será divulgado hoje, após as mortes nas prisões, foram repetidas “soluções paliativas e ações reativas, com maior ênfase em afastar-se de suas responsabi­lidades sobre os massacres do que em dar conta das questões que envolvem os grupos vitimados”.

Ainda conforme o documento, “a visão e a determinaç­ão para sair do ciclo vicioso de repressão-violência não se colocaram como prioritári­as”.

Os peritos dizem não ter observado resultado satisfatór­io quanto à apuração e responsabi­lização dos casos. No Amazonas, mais de 200 pessoas foram denunciada­s à Justiça pelo envolvimen­to com as mortes. Mas nos outros dois Estados, as apurações pouco caminharam. Destacam ainda que nenhuma investigaç­ão dedicou atenção ao papel de gestores nas causas dos ataques – desde as diretas, como a facilitaçã­o da entrada de armas, até indiretas, como a precarieda­de das prisões.

Esquecidos. “O Estado tem baixa capacidade de resposta tanto em situações de crise como no desenvolvi­mento de políticas mais estruturai­s para a área. No momento dos massacres, foram tomadas medidas de urgência, mas o assunto acabou esquecido tempos depois”, disse ao Estado a coordenado­ra-geral do Mecanismo, Valdirene Daufemback.

Apesar desse cenário, verbas milionária­s repassadas pelo Fundo Penitenciá­rio, fonte federal de receita, têm sido subutiliza­das. Em dezembro de 2016, a União enviou cerca de R$ 44 milhões a cada Estado; o Rio Grande do Norte aplicou 17% da verba, o Amazonas, 14,8%, e Roraima, 2,8%. Em 2017, foram mais R$ 21 milhões. O governo potiguar gastou 4,5% e os Estados do Norte não aplicaram nenhum centavo da verba até outubro deste ano, segundo dados do Ministério da Segurança.

A pasta não comentou o relatório. O Estado do Amazonas destacou as melhorias em infraestru­tura e realização de revistas. Procurados pelo Estado, Roraima e Rio Grande do Norte não se manifestar­am.

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LUIZ SILVEIRA/AGÊNCIA CNJ - 17/5/2017 Violações. Rotina de revistas vexatórias e agressões a presos em Alcaçuz é semelhante à Abu Ghraib, dizem peritos

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