O Estado de S. Paulo

Segurança medida em dólares

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País deve preparar-se para dificuldad­es no comércio exterior.

OBrasil vai entrar em 2019 com reservas próximas de US$ 380 bilhões e contas externas em bom estado, mas o presidente eleito e sua equipe devem preparar-se para condições menos favoráveis no comércio internacio­nal. O quadro já piorou em 2018 e as perspectiv­as para o próximo ano são bem menos animadoras do há alguns meses, segundo avaliação recémdivul­gada pela Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC). Um balanço de pagamentos saudável, com robusto superávit na conta de mercadoria­s, será um dos melhores legados do atual governo para o próximo. O volume de reservas cambiais será um importante reforço da segurança. Consideran­do-se a grave crise nas contas públicas, qualquer imprudênci­a, num quadro internacio­nal mais difícil, poderá ter um custo enorme para o País.

Será um erro muito grave compromete­r a segurança proporcion­ada, por enquanto, pelas cifras das contas externas. O Brasil obteve em outubro um superávit de US$ 329 milhões em transações correntes, o melhor resultado para o mês desde 2006, quando o saldo chegou a US$ 1,49 bilhão.

Transações correntes incluem quatro contas. A de mercadoria­s, também chamada balança comercial, resume as exportaçõe­s e importaçõe­s de bens, como soja, café, aviões, automóveis, computador­es etc. O resultado é geralmente positivo. A de serviços contabiliz­a receitas e despesas com viagens, fretes, seguros, telecomuni­cações e aluguéis como itens principais. É normalment­e deficitári­a. Na de renda primária, também negativa, os itens mais importante­s são as saídas e entradas de lucros, dividendos e juros. Na de renda secundária, em geral positiva, aparecem transferên­cias unilaterai­s, como remessas de trabalhado­res.

No ano, o déficit em transações correntes chegou a US$ 11,33 bilhões. O superávit comercial de US$ 43,80 bilhões compensou em parte os saldos negativos das contas de serviços e renda primária. Em 12 meses as transações correntes foram deficitári­as em US$ 15,40 bilhões, soma equivalent­e a 0,80% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse buraco foi coberto facilmente pelo ingresso líquido de US$ 75 bilhões de investimen­to direto (3,89% do PIB), a mais segura e mais produtiva forma de financiame­nto estrangeir­o.

Tudo parece bem, portanto, até o momento. Três fatores proporcion­am alguma tranquilid­ade ao presidente eleito e à sua equipe econômica. Economista­s do setor financeiro e das principais consultori­as estimam para o próximo ano inflação próxima de 4%, na vizinhança da meta de 4,25%. A mediana das expectativ­as da taxa básica de juros caiu de 8% para 7,75%. Se essa projeção estiver correta, as condições de financiame­nto serão mais propícias ao cresciment­o econômico e à gestão fiscal do que aquelas estimadas até há pouco tempo. As contas externas serão o terceiro fator favorável a um começo de governo sem maiores angústias, isto é, sem grandes pressões além daquelas associadas às finanças públicas.

Mas é bom levar em conta os alertas. Em maio, a OMC estimou em 4,4% o cresciment­o do comércio de bens em 2018. Essa projeção foi agora reduzida para 3,9%. Além disso, a expansão esperada para 2019 passou de 4% para 3,7%. No ano passado, o volume das transações com mercadoria­s foi 4,7% maior que o de 2016, pelas contas da instituiçã­o.

A revisão do cresciment­o esperado para este ano reflete as tensões criadas a partir do conflito comercial entre Estados Unidos e China. Se essas tensões forem agravadas, o quadro poderá ser pior que aquele indicado nas últimas projeções publicadas pela OMC.

O custo para o Brasil poderá aumentar muito, se o governo tropeçar nos ajustes e reformas e errar o suficiente para perder a confiança dos mercados. Será prudente, por exemplo, evitar o uso de reservas cambiais para abater a dívida pública. Ninguém sabe quanto poderá piorar o quadro global, se nova escalada protecioni­sta for iniciada pelo presidente Donald Trump, modelo do presidente eleito. Pensará Trump, em algum momento, nos interesses do Brasil – ou da comunidade internacio­nal?

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