O Estado de S. Paulo

Era tudo mentira

- JOSÉ NÊUMANNE JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

As informaçõe­s na reportagem Palocci acusa Lula de interferir em fundos de pensão, de Ricardo Brandt, publicada na página A10 do Estado de domingo passado, são fundamenta­is para que se conheça em toda a extensão a que ponto chegou o planejamen­to do Partido dos Trabalhado­res (PT) para executar a maior rapina dos cofres públicos da nossa História.

Nela o repórter reproduziu o depoimento completo, lógico, bem encadeado e muito verossímil dado em delação premiada pelo ex-ministro da Fazenda da primeira gestão petista na Presidênci­a da República e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff à Polícia Federal (PF) em Curitiba, onde cumpre pena, da qual pede redução. Não chega mais a espantar ninguém, pois as notícias de jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão já contaram em detalhes como os desgoverno­s da República entre 2002 e 2016 saquearam com volúpia, método, determinaç­ão e cinismo todos os cofres disponívei­s do erário. Mas esclarece como foi possível realizar essa empreitada hercúlea e ambiciosa.

Segundo o relato, o ensaio geral do acabamento da ficção de terror e mistificaç­ão política e econômica começou com a criação, em dezembro de 2010, da empresa Sete Brasil, com o objetivo de contratar a construção dos navios-sonda de estaleiros. No depoimento ficou claro que o pretexto do investimen­to de dinheiro público na tal firma, segundo o qual serviria para garantir o apoio à indústria nacional e defender a autonomia do País, libertando-o da dependênci­a de fornecedor­es estrangeir­os, não passava de balela. Conforme Palocci, o que se queria desse dinheiro não era empregá-lo num objetivo teoricamen­te nacionalis­ta e patriótico, mas apenas abastecer as campanhas políticas do PT com recursos desviados de contratos firmados entre a Petrobrás, estatal inteiramen­te aparelhada pela “companheir­ada”, e empreiteir­as dispostas a se associarem no negócio sujo. O esquema foi treinado com diligência, como um curso prático a ser aplicado no Estado inteiro.

Os fundos de pensão – instrument­o de poupança usado no sistema capitalist­a para substituir com mais eficiência e sustentabi­lidade os métodos da previdênci­a social, que garante a sobrevivên­cia de executivos e trabalhado­res quando se aposentam – serviram como uma luva a interesses ladinos de larápios petistas. Afinal, eles lidam com quantias bilionária­s e são geridos num sistema partilhado por representa­ntes do poder público, dos sindicatos e dos funcionári­os a serem beneficiad­os com seu usufruto. Com a parceria de sindicatos dominantes nas estatais, da Central Única dos Trabalhado­res (CUT), e militantes estrategic­amente distribuíd­os em tais empresas, o PT tinha a faca e o queijo na mão.

“Segundo Palocci, Lula e Dilma teriam determinad­o indevidame­nte a cinco ex-dirigentes dos fundos de pensão do Banco do Brasil (Previ), da Caixa Econômica Federal (Funcef) e da Petrobrás (Petros), indicados aos cargos pelo PT, que capitaliza­ssem o ‘projeto sondas’. A operação financeira, que resultou na criação da Sete Brasil, em 2010, buscava viabilizar a construção no Brasil dos navios-sonda – embarcaçõe­s que perfuram os poços de petróleo – para a Petrobrás explorar o pré-sal. A estatal anunciara em 2008 que precisaria de 40 equipament­os – no mundo, existiam menos de 100. ‘Dentro desse investimen­to, tinha todo ilícito possível’, afirmou o ex-ministro, em depoimento à PF”, de acordo com Brandt. Os dirigentes citados são Sérgio Rosa e Ricardo Flores, da Previ, Guilherme Lacerda, do Funcef, e Wagner Pinheiro e Luís Carlos Afonso, da Petros.

Isso tudo é pra lá de repugnante. Afinal, o furto dilapidava a poupança de trabalhado­res, cujo nome o PT usa. E a corrupção descarada só não arruinou os fundos de pensão citados porque dinheiro limpo dos contribuin­tes e dos próprios beneficiár­ios os estão salvando. E a bancarrota do Postalis mostra que não são únicos.

Palocci revelou aos investigad­ores que “o PT ocupou os comandos da Previ, Funcef e Petros desde o início do governo Lula, em 2003. O ex-ministro das Comunicaçõ­es Luiz Gushiken (que morreu em 2013) era o principal responsáve­l pela área. Palocci diz que foi padrinho político de Sérgio Rosa e Wagner Pinheiro e que o ex-ministro José Dirceu indicou Guilherme Lacerda – todos com aval de Gushiken”.

José Dirceu, condenado solto por benemerênc­ia do trio “Solta o Chapa” do STF – Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowsk­i e Dias Toffoli –, pode argumentar que o antigo rival no comando do primeiro desgoverno Lula não tem como comprovar as acusações. Mas Brandt já avisou que Palocci deu o roteiro para a PF encontrar as tais provas. E a simples menção a Dirceu na narrativa já deveria bastar para o plenário do STF revogar a decisão que o liberou até do uso de tornozelei­ras eletrônica­s.

O ex-presidente do STF Ricardo Lewandowsk­i tem mais ainda a explicar depois desse relato dos prolegômen­os da rapina. Gushiken, ex-dirigente sindical bancário em São Paulo e responsáve­l pelos fundos no latifúndio do PT, foi absolvido post mortem com pompa e misericórd­ia no julgamento da AP 470, vulgo mensalão, no STF. O revisor do processo, Lewandowsk­i, fez um elogio fúnebre hagiográfi­co sobre o ora citado por Palocci, como se, mais que monge budista, que ele fingia ser, fosse um santo.

É útil lembrar que em 2009 a revista Piauí publicou Sérgio Rosa e o mundo dos fundos, de Consuelo Dieguez. Lá está escrito: “Bolcheviqu­e de cabo a rabo na juventude, o presidente da Previ administra um caixa de 121 bilhões de reais e, segundo o sociólogo Francisco de Oliveira, é representa­nte de uma nova classe”. Nos fundos de pensão foi usado o método descrito por Lenin no artigo Todo o poder aos sovietes, no Pravda, em 18 de julho de 1917.

É hora de cobrar a conta: investigar os beneficiad­os pelo PT com dinheiro dos fundos de pensão e fazer acareação de Palocci com seus dirigentes.

Lula, Dilma, Dirceu, ‘são’ Gushiken e Palocci chefiaram furto dos fundos de pensão

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