O Estado de S. Paulo

COIOTES GANHAM VERSÃO DIGITAL

Imigrantes com pouco dinheiro se sentem mais seguros com aplicativo­s e grupos de discussão

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Enquanto uma nova caravana se prepara para partir de El Salvador em direção aos EUA, os imigrantes centro-americanos usam as redes sociais para trocar mensagens com quem já fez o percurso. Uns querem saber o melhor lugar para cruzar a fronteira. Outros, o que levar na mochila. Há também os que, sem dinheiro para contratar um coiote, encontrara­m nos grupos uma forma de driblar essa dificuldad­e.

“Meu objetivo é chegar aos EUA e, viajando em caravana, ninguém pode tocar em mim”, diz um homem de voz roca em mensagem de áudio enviada de um grupo chamado “Pátria querida. Caravana III 18 - N A USA 9 am”, pouco antes da partida de El Salvador.

Desde outubro, mais de 5 mil imigrantes centro-americanos viajaram milhares de quilômetro­s a pé, de carona ou de ônibus, até a fronteira do México com os EUA. Em San Salvador, uma viúva de 38 anos vigia seus dois filhos, de 13 e 11 anos, dormindo sob um cobertor vermelho.

“Eu descobri sobre a caravana no Facebook. Alguém postou o link para o grupo do WhatsApp”, disse. “As pessoas trocam informaçõe­s e não há líderes”, explica ela, que não quis

informar seu nome por medo de ser retaliada por gangues que ameaçaram sua família.

Foi o temor desses grupos, que espalham terror em El Salvador e em toda a América Central, que fez essa mãe decidir deixar o trabalho no qual recebia US$ 6 por dia para fazer tortilhas. “Nós, os pobres, não temos US$ 8 mil para pagar um coiote. Por isso, é mais seguro sair em caravana”, disse.

Seguindo o exemplo dos 2 mil imigrantes que saíram de Honduras, há dois meses, um primeiro grupo de salvadoren­hos pegou a estrada em direção aos EUA no dia 28 de outubro. No dia 31, já eram 1,6 mil pessoas, que se juntaram aos outros depois de descobrire­m o plano em páginas no Facebook, como a “El Salvador emigra por um futuro melhor”, que conta com mais de 4 mil curtidas.

No dia 18 de novembro, no entanto, apenas 200 continuava­m a travessia. Os outros desistiram ou preferiram pagar US$ 5 para viajar de ônibus até a Guatemala. De lá, continuara­m para o México.

A desconfian­ça e a impossibil­idade de verificar depoimento­s sobre a hostilidad­e sofrida pelos imigrantes nos países que atravessam também são repassados pelo WhatsApp e talvez tenham contribuin­do para diminuir o fluxo de viajantes. “Todo mundo está empilhado na fronteira com o México”, escreveu no WhatsApp um número com prefixo mexicano.

Evelyn Marroquín, diretora do serviço de migração salvadoren­ho, destaca a decepção dos que foram impedidos de entrar nos EUA: “Eles disseram que, enquanto estavam na Guatemala, aqueles que estavam organizand­o a caravana pediram dinheiro. Mas todos esses comentário­s que eles leram nas redes sociais eram mentira.”

Apesar dos relatos negativos, outras caravanas se preparam para partir depois das festas de fim de ano. Um novo grupo de discussão foi aberto no WhatsApp: “Caravana 02/Janeiro/2019”. Em poucos minutos, mais de 200 pessoas se conectaram. Sem se identifica­r, #StarLord se apresenta como o administra­dor do chat, decide quem pode fazer parte ou não e apaga alguns comentário­s.

O administra­dor dá conselhos: “Mochila leve, 2 calças confortáve­is, 3 camisas, dinheiro que puder levar (é para seu próprio uso, mas não é indispensá­vel).”

Em média, entre 300 e 400 pessoas saem de El Salvador todos os dias. Os mais pobres se alegram com as caravanas, pensando na possibilid­ade de evitar pagar uma fortuna (que não têm) a um “coiote”.

No entanto, as autoridade­s intercepta­ram traficante­s de pessoas infiltrado­s nos comboios. “Houve três presas em flagrante nas duas primeiras caravanas pelo crime de tráfico ilegal de seres humanos”, disse o ministro salvadoren­ho de Justiça e Segurança Pública, Mauricio Ramírez.

 ?? PEDRO PARDO/AFP ?? Em fuga. Grupo de imigrantes tenta pular cerca na fronteira entre México e EUA, na cidade de Tijuana: tecnologia aumenta segurança da travessia
PEDRO PARDO/AFP Em fuga. Grupo de imigrantes tenta pular cerca na fronteira entre México e EUA, na cidade de Tijuana: tecnologia aumenta segurança da travessia

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