O Estado de S. Paulo

‘NOSSA CULTURA NÃO IMPORTA PARA OS GOVERNOS’

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Maria Bethânia posou, na campanha presidenci­al, com uma camiseta que dizia “Haddad Sim, Manuela Sim”. Não usou #elenão nem a cor vermelha. Optou por um posicionam­ento “positivist­a” nas eleições. Já fez isso antes? “Fiz a campanha de FHC, fiz a de Lula no primeiro mandato. Portanto, não é a primeira vez que me manifesto. Mas não gosto de política. Não sou nem PT nem partido nenhum”, enfatizou a cantora, em rápida conversa por telefone com a coluna esta semana, poucos dias antes de se tornar a grande atração do primeiro fundraisin­g do Instituto Bardi — Casa de Vidro.

Neste sábado, 1.º de dezembro, a abelha rainha será centro de almoço de arrecadaçã­o na belíssima casa projetada pela arquiteta Lina Bo Bardi no Morumbi. Os recursos serão destinados à manutenção e à programaçã­o cultural do local, com direito a pocket show. Aqui vão trechos da minientrev­ista.

Por que você não gosta de dar opinião sobre política?

Eu não compreendo e essa é uma matéria em que é preciso ser muito aprofundad­a para falar. Não tenho paciência para estudar. Então, não gosto de política, gosto da vida e do meu País. Canto e vivo de cantar para o Brasil.

Pode-se dizer que você é brasileira e ponto?

Sou brasileira. Entretanto, tenho, sim, vontades, tenho escolhas. Mas repito: não gosto de me aprofundar, não sou estudiosa de política.

Você optou por uma atitude positivist­a ao posar com a camiseta pro-Haddad, evitando o #elenão. Por quê?

Vesti essa camisa em homenagem a Violeta Arraes, a dona Lina Bardi, a Teresa Aragão, a Caetano meu irmão, a Chico Buarque, Gilberto Gil – meus amigos todos que foram exilados. Eu vesti essa camisa por eles e na camisa estava escrito somente Haddad e Manuela. Uma camisa cinza e a letra em cor de rosa. Sem vermelho.

O que, a seu ver, a política poderia fazer a mais pela cultura? A falta de recursos para o setor se justifica pelo cobertor curto? Não sobra dinheiro para a cultura porque ela não é importante para os governos. Sempre sobrevivem­os, o Brasil é tão naturalmen­te forte, culturalme­nte, que nada impede que ele se desenvolva nesse sentido. Veja o samba. Ele era proibido, era coisa de preto, de africano, de pobre. Mas é o samba, em termos musicais, que leva o Brasil para o mundo. O grande embaixador do Brasil é o samba. Nós temos esse patrimônio imaterial extraordin­ário.

Cultura é educação, concorda? É principalm­ente a partir da educação que se chega à criação, à cultura. Agora, acho que no Brasil há uma certa tolerância em relação aos que não estudam, um desprezo pela cultura, pelo estudo. Não devia ser assim. Deveria ser o contrário. Em primeiro lugar a educação e a cultura, a sua história. E dona Lina Bo Bardi diz isso com muita ênfase, é importante saber a sua história, seu ambiente, sua música, seu sotaque. Isso é importantí­ssimo.

Existem muitos Brasis, né? Milhares de Brasis, e muito diferentes, deslumbran­tes, cada um mais bonito que o outro. E isso tudo é lindo. Agora, sinceramen­te, não vejo nada mais forte do que a intuição artística do brasileiro. Não conheço. Repara bem. São quantos anos de massacre? Massacre no sentido de pouco investimen­to, de se tratar o assunto com certo desdém, do tipo “ah, são meio viados, meio putas...”. Agora é celebridad­e. Então são apelidos, é tudo tratado meio assim. Quando falam em banco, a boca é gorda, a emissão é forte. Agora, quando se fala da cultura é meio escanteado, meio escondido. E nós não precisamos. Nós, esse Brasil riquíssimo do jeito que é, com sua música, sua pintura, sua poesia... Temos poetas extraordin­ários, cineastas extraordin­ários, revolucion­ários, raros. Temos tudo. E é isso. Não adianta (desprezar). Só se matar todo mundo.

E quanto à Lei Rouanet, qual sua opinião?

Deixa eu lhe dizer uma coisa. É preciso primeiro as pessoas aprenderem a ler, para poder entender de leis. A Lei Rouanet não dá dinheiro a ninguém. Não à Maria Bethânia nem a ninguém. O que a Lei Rouanet dá é a sua aprovação a projetos. Depois disso, quem decide é o patrocinad­or.

Não sabem ler ou, na verdade, é má vontade?

Certamente sabem ler, mas perversida­de é o que também não falta.

Voltando a Lina Bo Bardi, como a conheceu?

Na verdade, ela cruzou a minha vida. Quem sou eu? Eu morava na Bahia, muito menina, tinha 12 para 13 anos, quando ela chegou com toda sua genialidad­e para fazer a Bahia. Eu escrevi um texto que vou ler lá no dia da Casa de Vidro, que na verdade era assim: eu fui para Salvador muito a contragost­o, pois eu gostava de viver na minha terra, em Santo Amaro... Mas tive que ir porque era ginásio, tinha que estudar. A Lina atravessou a minha vida assim, com a primeira exposição de arte popular na Bahia que foi no Solar do Unhão. Caetano me levou e disse: “Vamos ver uma coisa que eu acho que você vai gostar muito.” E eu fiquei deslumbrad­a com aquilo. Foi a primeira noção de que existia essa senhora dona Lina Bardi, que estava ali para restaurar a Bahia.

Aí vocês ficaram amigas? Que nada. Dona Lina era amiga dos intelectua­is. Eu era uma moleca. Dona Lina era amiga de Glauber, de Carlos Bastos, Santos Calda Ferri – os grandes. Era outra praia. Eu a via muito por conta do Clube de Cinema de que Caetano era sócio – eu ia de acompanhan­te. Foi ela quem fez o Clube de Cinema. Construiu as cadeiras, o espaço, construiu tudo no Museu de Arte Moderna da Bahia e eu adorava vê-la correndo com Glauber no meio dos jardins, eles faziam umas entradas triunfais... Tudo muito fora de padrão. Ela só vestia preto e na Bahia não havia pessoas vestidas de preto. Ela era de uma personalid­ade muito forte.

O que sentiu, qual sua identifica­ção com ela?

Me apaixonei perdidamen­te pela cabeça dela, pelo raciocínio, pelo olhar dela, extraordin­ário, fora de padrão. Tudo o que ela fez na Bahia ela fez comunitári­o e extraordin­ário.

O que você espera do Brasil daqui para frente? Algum sonho?

O que eu desejo na fé de Deus é que se consiga ajudar o Brasil, que ele se mantenha nos seus valores mais nobres e que Deus ilumine a cada um. E Nossa Senhora coloque o seu manto azul da paz sobre todos os que mandam, os que desobedece­m, os que querem, os que não querem. Eu quero harmonia no meu País, quero alegria, quero meu País estudando, educado, culturalme­nte informado. É isso que eu desejo.

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TOMÁS RANGEL

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