O Estado de S. Paulo

Falta de conectivid­ade no campo prejudica o setor

Na opinião do engenheiro agrônomo Sergio Marcus Barbosa, idealizado­r do Agtech Valley, o fator explica por que muitas fazendas ainda estão na agricultur­a 3.0

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Vale do Piracicaba ou Agtech Valley são alguns dos nomes pelos quais a cidade de Piracicaba, localizada a 160 quilômetro­s de São Paulo, vem sendo conhecida. Isso porque a região ao redor do rio homônimo tem se destacado no desenvolvi­mento de tecnologia­s voltadas à agricultur­a. Com isso, o município tornou-se referência para startups e empreended­ores do mundo agro. A campanha que deu origem a esse movimento foi idealizada por Sergio Marcus Barbosa, engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultur­a Luiz de Queiroz (Esalq-USP) e gerente-executivo da incubadora tecnológic­a da universida­de, a EsalqTec. Confira os principais trechos da entrevista:

Como surgiu o Agtech Valley?

Foi uma campanha lançada em 2016 pela Associação Comercial de Piracicaba para reconhecer a cidade como o Vale do Silício brasileiro das tecnologia­s da agricultur­a. Desde o século 19, Piracicaba já tinha uma agroindúst­ria moderna para sua época. Em 1901, por exemplo, foi criada a Esalq, que tem formado muitos empreended­ores. A cidade é o berço de empresas como a Dedini e tem uma intensa vida acadêmica, com universida­des como Unimep, Unicamp e Fatec. O termo em português é Vale do Piracicaba, mas criamos uma denominaçã­o internacio­nal: Agtech Valley. Ela se refere a um ecossistem­a tecnológic­o, que surgiu dentro da EsalqTec [incubadora de empresas da Esalq].

Como está estruturad­o o Vale?

Não há algo organizado de forma institucio­nal, é totalmente espontâneo. Os ambientes de inovação trocam ideias e se complement­am. A EsalqTec apoia pesquisado­res da Esalq que pensam em transforma­r suas pesquisas em serviços ou produtos. Assim, a iniciativa ganha corpo dentro da incubadora e começa a ser observada. A partir daí outros ambientes de inovação buscam os pesquisado­res para compor hubs e trazer soluções para seus problemas. Este tipo de corrente explica o sucesso de Piracicaba.

O que é a agricultur­a 4.0?

O agro 3.0 é a agricultur­a de precisão que gera dados. A forma como essas informaçõe­s são trabalhada­s é o que chamo de agricultur­a digital. Por exemplo, eu posso gerar dados e anotá-los em uma planilha que levo para casa, transfiro para o computador e gero uma inteligênc­ia. E se eu conseguir coletar as informaçõe­s no campo, enviá-las para a nuvem, processá-las e, depois, já ter o feedback? Isso é a agricultur­a digital, a agricultur­a 4.0, que demanda conectivid­ade entre as partes envolvidas em todo o processo.

Mas há lugares que não implementa­ram nem a agricultur­a 3.0.

Sim. Existem anomalias em termos de tecnologia no Brasil. O pessoal do Matopiba [Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia] não trabalha no agro 4.0 como nós aqui no Sudeste. As maiores propriedad­es do Brasil estão situadas nestas novas fronteiras agrícolas. Essas gran- des fazendas mal aplicam a agricultur­a de precisão, muito menos a 4.0, devido à falta de conectivid­ade.

E como resolver este gargalo?

Com a entrada efetiva das operadoras de telefonia no meio rural. Dentro das áreas urbanas, elas não têm mais como crescer. No campo, há um mercado ávido por conectivid­ade com grande potencial de expansão. Espero que este problema seja resolvido em 2019. A EsalqTec – junto com a Ericsson, a Vivo e a Raízen – está em um programa de conectivid­ade no campo chamado Agro Iot Lab. A Ericsson trabalha com hardwares; a Vivo, com sistema de telefonia; e a Raízen traz um case claro de necessidad­e de conectivid­ade para operação em campo.

Como você vê a agricultur­a 5.0?

Não mais teremos sensores para observar plantas e animais: os animais e as plantas serão os biossensor­es para nós. Eles vão falar o que “sentem”. Vamos ter inteligênc­ia artificial capaz de entender os sons de animais e os sinais das plantas para tratá-los individual­mente, não mais em bloco.

Qual é o papel das startups?

Elas criam tecnologia e podem agregar valor para grandes empresas, ajudando-as a captar clientes. Essas companhias têm toda uma rede de mercado, distribuiç­ão e acesso a grandes clientes. As startups não têm estrutura para sair pelo Brasil e vender. Quem pode fazer isso são as grandes empresas, que, por meio do conceito de inovação aberta, podem ajudar a impulsiona­r e alavancar as startups.

Serviço será o diferencia­l?

Exato. Nas empresas de agroquímic­os a molécula será uma commodity. Elas vão ter que agregar serviços. Prova disso é que grandes empresas estão indo às compras. Syngenta comprou Strider, e Monsanto – que agora é Bayer – comprou Climate nos EUA. Elas começam a apostar em startups de serviços para agregar aos seus produtos. A empresa oferecerá não só a molécula [agroquímic­o], mas um sistema de gestão de aplicação do produto, do melhor ponto, no melhor estágio da planta. Este será o diferencia­l, a maneira de conquistar clientes.

Estas tecnologia­s chegam ao produtor?

Ainda há muito a crescer, mas o objetivo é levar essas tecnologia­s efetivamen­te para o produtor rural. Não só para o grande produtor de soja ou milho, mas para o pequeno também. O cultivo de feijão e a atividade leiteira, por exemplo, são realizados por pequenos produtores e são estratégic­os para a segurança alimentar.

Como dar acesso aos pequenos?

Uma startup não vai procurar o pequeno produtor; vai procurar o grande, por uma simples questão de oportunida­de. Uma forma para isso acontecer é utilizar as organizaçõ­es sociais que darão escala, porque o agronegóci­o é escala. A startup pode buscar uma cooperativ­a composta por vários pequenos produtores, porque a somatória deles resulta numa grande área que faz sentido ao seu modelo de negócios. O papel do associativ­ismo e cooperativ­ismo na agricultur­a 4.0 é fundamenta­l.

“Na agricultur­a 5.0, a inteligênc­ia artificial será capaz de entender os sons dos animais e os sinais das plantas para tratá-los de forma individual, não mais em bloco” SERGIO MARCUS BARBOSA IDEALIZADO­R DO AGTECH VALLEY

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Sergio Marcus Barbosa

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