A hora das agrotechs
Destaques do último Summit Agronegócio Brasil, elas prometem multiplicar a produtividade, desburocratizar o acesso ao crédito e tornar o País fornecedor de tecnologias e serviços
OBrasil é considerado o celeiro de alimentos do mundo e lidera a produção de suco de laranja, açúcar, café e carnes de frango e bovina. Agora, o País tem a chance também de encabeçar as exportações de tecnologias e serviços voltados ao campo. Do Oiapoque ao Chuí têm surgido diversos agrihubs, polos de startups com soluções para todas as etapas da cadeia do agronegócio, da fazenda ao consumidor final. Estas novas empresas, conhecidas como agrotechs, foram o tema principal de uma das salas do Summit Agronegócio Bra
sil 2018, promovido pelo Estadão em 13 de novembro em São Paulo. A Sala Tech teve a participação de 18 palestrantes, que abordaram diversos assuntos relacionados ao uso da tecnologia no campo. Durante todo o dia, mais de 60 pessoas acompanharam as novidades.
Na ocasião, Francisco Jardim, CEO da SP Ventures, destacou o mapa das startups do agro, segundo levantamento feito pela gestora de investimentos em parceria com o Centro Universitário FEI e o hub Vale do Piracicaba, conhecido como o Vale do Silício brasileiro das tecnologias para a agricultura (leia
entrevista na pág. 2), que apontou a presença de 338 agrotechs no País. E elas não estão sozinhas. Há centenas de startups estrangeiras querendo oferecer soluções para o agronegócio. “Se o Brasil não investir, não seremos protagonistas”, disse Mateus Mondin, professor da Esalq (USP de Piracicaba) e um dos mentores do Vale do Piracicaba. Ele ressaltou a necessidade de aportes em startups, sobretudo na área de biotecnologia, para que, no futuro, ao contrá- rio do que acontece hoje, o Brasil não se torne dependente de multinacionais.
A boa notícia é que, durante o Summit, Gustavo Diniz Junqueira, futuro secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, disse que pesquisa e desenvolvimento são os pilares dos projetos do governo paulista para longo prazo. “Os institutos estaduais são prioridade. São aqueles que fazem pesquisa básica, o trem que depois da nevasca vem limpando o trilho para a iniciativa privada passar”, disse. “Vamos buscar parcerias, uma dinamização do setor público com o privado”, explicou.
PLANO DE SAÚDE PARA VACAS
O boom das agrotechs no Brasil coincide com um momento delicado. “A mudança da população do campo para a cidade é
338 agrotechs atuam no agro brasileiro. Esse é o resultado do levantamento feito pela SP Ventures em parceria com o Centro Universitário FEI e o agrihub Vale do Piracicaba
um fenômeno social, que gera carência de mão de obra, e a tecnologia vem nos ajudar com este desafio”, disse Guilherme Raucci, head de Sustentabilidade da Agrosmart, que surgiu no Startup Weekend 2013, evento promovido pelo Google. No início, o trabalho era focado em sensores de clima; hoje a plataforma é líder em agricultura digital na América Latina e integra informações geradas por máquinas agrícolas, satélites e drones, tudo para dar as melhores recomendações agronômicas a seus clientes.
A chamada agricultura 4.0 ou agricultura digital é baseada no conceito de internet das coisas (IoT, na sigla em inglês) e se refere à revolução tecnológica que conecta dispositivos eletrônicos à rede mundial de computadores e possibilita a geração de dados em quantidade e variedade. Boa parte das startups do agro trabalha com a análise dessas informações e oferta soluções que aumentam a produtividade nas fazendas e reduzem o custo de produção.
Uma delas é a gaúcha CowMed, que recebeu R$ 2 milhões do fundo de investimento Criatec 3. Ela desenvolve coleiras colocadas em vacas para monitorar tempo de ruminação, de caminhada e período em que o animal fica parado. Esse conjunto de informações é captado por uma antena e enviado via internet para a equipe da CowMed, que desenvolveu uma inteligência artificial (IA) capaz de analisar cada animal e fazer diversos diagnósticos, como, por exemplo, saber se a vaca vai ficar doente, se está no cio ou quando será o melhor momento para ser inseminada.
“O produtor contrata o serviço [coleira] por animal/mês. Ele pode monitorar quantos quiser a um custo de pouco mais de R$ 0,40 por vaca/dia”, explica Leonardo Guedes, cofundador da CowMed. Presente em 11 estados brasileiros, a CowMed funciona como uma espécie de plano de saúde para as vacas e hoje monitora mais de 15 mil animais. Como outras startups, ela esbarra no gargalo da conectividade do campo, tema que tem sido estudado por vários agrihubs, como o Vale do Piracicaba. BLOCKCHAIN DO CAMPO A desburocratização é outro alvo das startups. A Barter Digital é uma delas e tem como foco a gestão integrada de títulos e contratos do agronegócio. Criada há dois anos numa hackathon – maratona de desenvolvimento – em Londrina (PR), ela entrou em operação em março deste ano e tem clientes em cinco estados. O nome da empresa é uma referência ao barter, troca de commodities por insumos agrícolas, muito comum no País. “Mas a ferramenta não é restrita a barter. Ela funciona para qualquer operação de crédito”, diz Renato Girotto, CEO da Barter Digital.
Trata-se de uma solução web para agilizar as transações, que hoje chegam a levar 120 dias devido à burocracia e à falta de sinergia entre os agentes. O princípio da ferramenta é a “desmaterialização”, contratos assinados digitalmente e registrados em blockchain, espécie de livro de registros digital em que as anotações são feitas a caneta e não é possível apagar. Além de reduzir o tempo, a solução faz o monitoramento de garantias. “Por trás das operações de crédito, há um penhor de safra. Fazemos o georreferenciamento e monitoramento das imagens para garantir ao credor que ele está aportando numa área com condições de pagar pelo investimento”, explica Girotto.
No ambiente agro, fala-se em dois tipos de startups. As disruptivas são as mais inovadoras, que criam novos paradigmas e revolucionam o modus operandi da atividade. Já as incrementais trazem soluções complementares que movem a cadeia. “Acredito que as incrementais vão dar certo mais rápido, porque o outro lado [clientes] se sente com mais coragem de adotar”, diz Richard Zeiger, sócio da MSW Capital, que é gestora do fundo BR Startups. No entanto, ele frisa a necessidade de as agrotechs conquistarem seu primeiro real. “Mais do que dinheiro de investidor, essas empresas precisam de clientes adotando suas soluções para não morrerem na praia”, finaliza.