O Estado de S. Paulo

William Waack

- WILLIAM WAACK

A “governabil­idade” depende diretament­e da concentraç­ão de esforços no que realmente importa.

Bomba fiscal é bomba social. A do Brasil é monumental e o novo governo mal começou a lidar com ela. Depois de muito espremer as estatístic­as, economista­s da FGV-SP chegaram a um número de forte expressão simbólica, dada a questão social embutida na frase “atacar a questão fiscal”. De cada 1 real gasto pelos cofres públicos, 75 centavos vão para pagamento de previdênci­a, programas assistenci­ais, transferên­cias de benefícios.

Trata-se, na verdade, de uma gigantesca folha de pagamentos, dos quais dependem direta ou indiretame­nte cerca de 2/3 da população do País. Falar em “ajuste fiscal”, “atacar a questão dos gastos públicos” significa, portanto, lidar com um problema social de implicaçõe­s políticas que o novo governo está começando a entender. Vai demandar um grau de capacidade de articulaçã­o e equilíbrio cuja ausência até aqui em governos anteriores foi compensada através da distribuiç­ão de benesses (de todos os tipos) e aumento de impostos – e não há mais espaço para nenhum deles.

A questão tributária e a quebradeir­a dos Estados têm de ser colocadas também nessa conta – que, insisto, é uma conta para a Política. Assim, os 308 votos necessário­s na Câmara dos Deputados em Brasília são apenas parte do desafio. A coesa e coerente equipe econômica sob Paulo Guedes e a estrutura de comando executiva composta ainda por vários militares de boa formação e cabeça aberta dispõe de qual “governabil­idade” diante: a) do tamanho da bomba (que é uma corrida contra o tempo) e b) da óbvia falência de um sistema político que talvez esteja apenas iniciando um processo de recuperaçã­o?

Os sinais do período de transição indicam que Bolsonaro entendeu que a articulaçã­o política com o Congresso tem sentido mais amplo do que contar votos de deputados e isso não é tarefa para um homem só. Entendeu que política é negociação e compromiss­o e tanto é assim que encontrou um nome para o Ministério da Educação do agrado de um círculo político do qual ele, Bolsonaro, depende para apoios (evangélico­s). Está apanhando ainda para perceber que propostas de palanques (e lacração em redes sociais) não são programa nem método de governo – quanto mais depressa Bolsonaro “institucio­nalizar”, melhor para ele mesmo.

A política trouxe do vocabulári­o militar expressões como “teatro principal de operações” e “teatro secundário de combate”. Há nos primeiros passos da transição iniciada pela onda política que varreu o País a clara evidência de confusão entre esses dois planos. É “normal” para a situação de um presidente empurrado aonde chegou por uma transforma­ção política que se dá tanto em torno de “valores” quanto pelo desejo de ver a economia destravand­o e gerando prosperida­de (portanto, de projetos e plataforma­s). O problema aqui é se concentrar no teatro principal e não gastar energias em ávidos debates secundário­s, cujo principal mérito é sobretudo produzir muita repercussã­o em redes sociais.

Diante do fato inconteste que o Brasil é fatiado em interesses corporativ­istas dos mais diversos, e muito bem organizado­s, ganhar a eleição foi o mais fácil e a verdadeira guerra começa agora. A tal da “governabil­idade”, entendida como capacidade de levar adiante o que o governo acha que precisa fazer, depende diretament­e da concentraç­ão de esforços no que realmente importa. O preço político a ser pago é enorme e difícil de ser calculado, mas provavelme­nte não conseguirá ser saldado se o emprego do capital trazido pela vitória eleitoral se dissipar em muitas frentes.

Novo governo gasta energias em muitas frentes e depende de uma só

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