O Estado de S. Paulo

Enfim, controle dos incentivos

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Acriação do Comitê de Monitorame­nto e Avaliação dos Subsídios da União pode ser um bom ponto de partida para pôr fim a desperdíci­os multibilio­nários.

O Brasil queimou centenas de bilhões de reais desde a crise de 20082009 em inúteis benefícios fiscais e financeiro­s concedidos a grupos e setores selecionad­os pelo governo. Apesar desse volume gigantesco de incentivos, o País cresceu bem menos que vários vizinhos sul-americanos, entrou numa funda recessão e acumulou graves problemas nas finanças públicas. O resultado poderia ter sido bem melhor, ou, na pior hipótese, bem menos desastroso, se o governo tivesse monitorado a política de subsídios, avaliado custos e benefícios e cobrado resultados em troca das vantagens concedidas. O presidente Michel Temer acaba de instituir formalment­e esse controle, por meio de um decreto publicado ontem.

O enorme custo e o escasso retorno dos vários programas de incentivos já haviam sido apontados por autoridade­s e técnicos do Ministério da Fazenda e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O desperdíci­o, tão danoso ao País quanto lucrativo para os setores e grupos favorecido­s, já era bem visível no período petista. Mas só se tornou tema de exame crítico no governo depois da troca de guarda na Presidênci­a da República, há pouco mais de dois anos.

A partir daí, os ministros da Fazenda e do Planejamen­to se empenharam em conter a sangria, tentando, por exemplo, reverter a desoneraçã­o da folha de pagamentos de dezenas de setores. Mas sempre encontrand­o forte resistênci­a no Congresso. A eliminação ainda parcial desse benefício só ocorreu como parte da negociação da tabela do frete rodoviário, há poucos meses.

Os gastos com subsídios passaram de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2003 para 6,7% em 2015, de acordo com dados do Ministério da Fazenda. Em 2016 a soma chegou a R$ 379 bilhões, valor correspond­ente a 6,4% do PIB. O total destinado a esses benefícios diminuiu no ano passado para R$ 354,7 bilhões, passando a 5,4% do PIB. Técnicos da Fazenda explicam esse recuo chamando a atenção para algumas mudanças políticas, como a reformulaç­ão do Fies, o Fundo de Financiame­nto Estudantil, e para a redução da taxa básica de juros. Com a baixa dos juros, diminuiu o custo do dinheiro levantado pelo Tesouro para custear os subsídios.

O desperdíci­o multibilio­nário dos incentivos é facilmente visível quando se compara o desempenho econômico brasileiro com o dos países vizinhos. Em dez anos até 2017 o PIB do Brasil cresceu cerca de 13,4%. Além dos números negativos de 2009, 2015 e 2016, houve resultados muito modestos em 2012, 2014 e 2017. Nos mesmos dez anos o PIB da Colômbia aumentou pouco mais de 28% – mais que o dobro, portanto, do avanço conseguido na maior economia da região. Chile, Peru, Paraguai e Bolívia também exibiram maior dinamismo e fecharam o período com desajustes bem menores que os da economia brasileira.

Apesar do esforço dos ministros da Fazenda e do Planejamen­to, a política de incentivos mal planejados continua prejudican­do as finanças da União, dificultan­do a arrumação das contas públicas e entravando – por sua custosa inutilidad­e – o cresciment­o econômico do País. Neste ano, até outubro, as desoneraçõ­es tributária­s custaram R$ 69,26 bilhões. No ano passado, no mesmo período, o custo foi pouco menor e chegou a R$ 67,98 bilhões.

Em 2018, só a desoneraçã­o da folha de pagamentos consumiu R$ 9,22 bilhões. Pode-se falar em perda, sem risco, porque esse tipo de benefício nunca elevou o emprego nem preveniu a enorme desocupaçã­o.

Tampouco se refletiu em maior poder de competição, como indica o desempenho geralmente modesto da indústria nos mercados globais. No caso do setor automobilí­stico, longamente beneficiad­o por incentivo à inovação, o desperdíci­o é bem visível. As exportaçõe­s do setor continuam concentrad­as na vizinhança, especialme­nte no Mercosul, com escassa disputa de espaço em outras áreas. Apesar disso, um novo programa, o Rota 2030, foi aprovado, contra a opinião da Fazenda. Resta muito trabalho, mas a criação do Comitê de Monitorame­nto e Avaliação dos Subsídios da União pode ser um bom ponto de partida para o novo governo.

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