O Estado de S. Paulo

Adesão a Mais Médicos desfalca posto de saúde

Saúde. Em pelo menos sete Estados, mais da metade dos profission­ais que entrou no programa já trabalhava no sistema público; com essa migração, cidades que perderam os médicos estão descoberta­s. Conselho de secretário­s estuda pedir mudança no edital

- /FABIANA CAMBRICOLI, MARIANNA HOLANDA, HELIANA FRAZÃO E RICARDO ARAÚJO

Em sete Estados, mais da metade dos profission­ais que preenchera­m as vagas dos cubanos no Mais Médicos já trabalhava em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do País e apenas migrou de um posto de saúde onde era servidor municipal para outro onde passa a ser integrante do programa federal. Assim, postos que tinham equipes completas agora enfrentam déficit de profission­ais.

É o que mostra levantamen­to feito pelo Estado junto a conselhos de secretaria­s municipais de saúde (Cosems) do País. Dos 13 conselhos contatados, dez disseram ter registrado em seus municípios a migração de profission­ais, dos quais sete levantaram o número de casos do tipo. Nesses Estados, 58% das vagas preenchida­s foram ocupadas por médicos que já atuavam na atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS).

Os sete Cosems analisaram os vínculos de trabalho anteriores de 1.489 médicos que aderiram ao Mais Médicos e verificara­m que 863 deles trabalhava­m em postos de saúde de outras cidades ou Estados.

A situação fez o presidente do Conselho Nacional de Secretário­s Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira, se reunir ontem com membros do Ministério da Saúde para apresentar o problema. A pasta solicitou ao conselho um levantamen­to nacional dos números de profission­ais que migraram de uma UBS para outra. O conselho pretende apresentar amanhã os números completos ao ministério.

“Estamos muito preocupado­s. Talvez seja preciso fazer mudanças no edital para evitar que a chegada dos médicos desorganiz­e todo o sistema de saúde”, declarou Diego Espindola de Ávila, diretor do Conasems.

Perda. Enquanto isso, municípios contabiliz­am perdas de médicos migrando para o programa federal. Na Bahia, das 745 vagas já preenchida­s, 427 serão ocupadas por médicos que pediram exoneração de outros postos. Reinaldo Braga Filho, prefeito de Xique Xique, no norte do Estado, conta que, do dia para a noite, se viu sem sete dos 12 médicos da Estratégia Saúde da Família (ESF), que optaram pelo programa federal. “Eles alegaram que as condições do Mais Médicos são mais vantajosas.”

O salário pago pelo programa federal costuma ser maior do que o oferecido por cidades pequenas. Além disso, os profission­ais dizem ter mais estabilida­de no Mais Médicos e contar com auxílio para pagar aluguel, transporte e alimentaçã­o.

Em Pernambuco, de 110 novos médicos inscritos no programa, 71 já tinham vínculo com a atenção básica em outro município. “Do ponto de vista da saúde pública, estamos trocando seis por meia dúzia”, relata Orlando Jorge Pereira de Andrade Lima, presidente do Cosems-PE e secretário municipal de Saúde de Paudalho, onde os três médicos que chegaram para substituir os cubanos vieram de postos de saúde de outras cidades. “Dois vieram de municípios pernambuca­nos e um, do Maranhão”, conta Lima.

No Rio Grande do Norte, das 139 vagas abertas no Estado após a saída dos médicos cubanos, 98 delas foram preenchida­s por médicos que estavam ligados às equipes do programa ESF em outras localidade­s, como Mirella Medeiros (mais informaçõe­s nesta página).

Segundo a coordenado­ra da Comissão do Mais Médicos no Rio Grande do Norte, Ivana Fernandes, dos 98 médicos que migraram, 82 já atuavam no Estado e os outros 16 desempenha­vam a mesma função em Estados vizinhos, como a Paraíba.

“Com equipes sem formação completa, não há repasse de recursos pelo Ministério da Saúde para pagamento de salários. Sem esses profission­ais, as equipes correm o risco de ser extintas”, declara Ivana.

Na Paraíba, o levantamen­to revela que, das 128 vagas abertas com a saída dos cubanos do Estado, 98 foram preenchida­s por médicos que já atuavam em outro município. “A gente está resolvendo um problema, mas criou outro, mais sério”, disse a presidente do Cosems no Estado, Soraya Galdino.

No Ceará, dados parciais mostram que 194 vagas oferecidas pelo programa foram acompanhad­as por 90 exoneraçõe­s. O Amazonas informou que, dos 95 primeiros médicos alocados em seus municípios, 27 vieram de outras UBSs. O Acre tem 52 de 78 vagas preenchida­s por médicos que migraram de uma Prefeitura para outra. Os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Maranhão também disseram ter registrado a situação.

Questionad­o, o Ministério da Saúde informou que o edital prevê regras específica­s para os médicos que já atuam no programa Estratégia Saúde da Família. Uma delas é a que obriga um médico que decida migrar para o Mais Médicos a continuar em um município com perfil igual ou mais vulnerável. A pasta não respondeu se pretende mudar as regras do edital nem o que fará em relação às vagas que ficaram vazias.

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FLAVIANA MELO./ESTADÃO Escolha. A médica Mirella Medeiros deixou cargo em prefeitura no RN pela vaga federal
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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–22/11/2018 Cubanos. Regresso começou a ocorrer na semana passada

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