O Estado de S. Paulo

Educação e a agenda liberal

- JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO

No imaginário popular, a agenda liberal é associada a privatizar, vouchers , charter schools ou ensino superior pago. A agenda socialdemo­crata reforça a função do Estado de promover a educação como direito. Já a agenda liberal vai mais além: a educação é instrument­o para promover a formação do capital humano.

A redução demográfic­a e o aumento da longevidad­e tornam imperativo o aproveitam­ento máximo do capital humano: todo talento precisa ser aproveitad­o. Os estudos de Jim Heckman puseram as políticas de primeira infância no centro do debate econômico. É nessa fase do desenvolvi­mento humano que se criam e se consolidam as bases para um bom desempenho no futuro – na escola e na vida. Já os estudos de Eric Hanushek mostram o impacto do tamanho e da qualidade das elites para promover o desenvolvi­mento de um país. Assim, reduzir a pobreza e mitigar seus efeitos negativos sai da agenda social e entra no cerne de uma agenda econômica liberal: pobreza, entre outros males, faz mal ao desenvolvi­mento do capital humano, é um entrave aos avanços na educação.

Mas uma política de capital humano não pode estar dissociada do conceito de meritocrac­ia. Conhecidos os riscos das soluções simples que nada resolvem, cabe indagar: como a educação brasileira poderia beneficiar-se de choques de uma agenda liberal?

Os dois graves problemas econômicos do País – Previdênci­a e déficit fiscal – repercutem fortemente na educação: Estados e municípios estão quebrados. O problema previdenci­ário é ainda mais grave na educação, especialme­nte com a redução demográfic­a: os recursos para pagar aos professore­s aposentado­s não vêm do Fundeb, mas precisarão sair de algum lugar.

Já a reforma fiscal certamente porá em pauta o financiame­nto da educação. Na perspectiv­a de menos Brasília e mais Brasil, as responsabi­lidades do governo federal e dos governos estaduais e municipais precisarão ser rediscutid­as: o que cabe a cada instância e quem é responsáve­l, no fim das contas, por pagar a conta. Não cabem, numa agenda dessa natureza, amarrações e propostas economicam­ente inviáveis e irresponsá­veis, como as constantes no Plano Nacional de Educação (o PNE). E perguntar não ofende: faz sentido existir um município que nem sequer possui recursos para cuidar de saúde e educação? No bojo da reforma fiscal e da revisão do pacto federativo, o futuro e o locus de discussão do financiame­nto da educação mudará de patamar, já que até a base de tributação será necessaria­mente diferente – e, esperamos, muito mais simples. Portanto, reformas gerais que ajudem Estados e municípios a sair da lona poderão contribuir para criar um horizonte para a educação.

Numa proposta de cunho liberal, a eficiência tem um papel central nas definições e nos critérios de alocação de recursos. Isso poderá, por exemplo, implicar a revisão do conceito de carreiras de Estado e criar espaço para mecanismos mais flexíveis de contrataçã­o – essencial na educação, em especial para as duas próximas décadas, de forte redução da demanda por vagas.

A lógica da eficiência também poderá afetar o encaminham­ento de questões substantiv­as, sendo a principal delas o tema da igualdade de oportunida­des. A Revolução Francesa disseminou a ideia de que todos somos iguais, mas a realidade, até mesmo biológica, e as desigualda­des associadas à pobreza apontam noutra direção. Dado que nascemos com muitas diferenças, o desafio é definir o que assegura a “igualdade de oportunida­des”. Não basta assegurar uma vaga na escola para a criança – aos 4 anos de idade ela já chega em condições de extrema desigualda­de; é preciso assegurar igualdade de acesso, progresso e sucesso, pelo menos até algum patamar. Estimular a eficiência e ao mesmo tempo reduzir as desigualda­des – especialme­nte na educação básica – requer políticas e formas de atuação totalmente diferentes das existentes no MEC.

No ensino médio encontrase terreno fértil para o êxito de uma agenda liberal. A ideia de diversific­ar essa etapa também faz sentido do ponto de vista do princípio da igualdade de oportunida­des: tratar diferentem­ente os desiguais. A prova cabal da fragilidad­e da recente lei da reforma do ensino médio encontra-se na declaração da titular do Inep, instituto responsáve­l pelo Enem, de que nada precisará mudar nesse exame. Se não mudar profundame­nte o Enem significa que a reforma não pegou, tudo continua como dantes. Aperfeiçoa­r a lei – e os regulament­os decorrente­s – e mudar profundame­nte o Enem serão essenciais para a reforma prosperar. Tudo isso se encaixa muito bem numa agenda liberal.

Uma visão que preze a eficiência exigirá, necessaria­mente, uma integração – e eventual responsabi­lização do Sistema S por parcela significat­iva da formação técnico-profission­al em nível médio. Felizmente, além dos recursos, o Sistema S dispõe de inigualáve­l competênci­a. Ao mesmo tempo, exigirá repensar o papel dos institutos federais, que, apesar de sua excelência acadêmica, pouco ou nada contribuem para formar técnicos de nível médio para o setor produtivo. É briga de cachorro grande, mas vital para o futuro do País.

No ensino superior também há muito a fazer. No geral, há a agenda de desregulam­entar as profissões, consistent­e com as caracterís­ticas e demandas do século 21. Na vertente do ensino privado, o caminho é mais fácil e conhecido: desregulam­entar. Há vagas sobrando, o mercado tem como se ajustar. Bastaria publicar anualmente indicadore­s sobre os egressos das várias instituiçõ­es para balizar as escolhas dos candidatos. Os únicos focos de resistênci­a serão a burocracia estatal e algumas corporaçõe­s.

No ensino público, algumas iniciativa­s de Margaret Thatcher, na forma de financiame­nto das instituiçõ­es públicas, e da OCDE, no financiame­nto das pesquisas, indicam caminhos promissore­s. Resta combinar com os russos.

Estimular a eficiência e reduzir as desigualda­des requer políticas e ações diferentes das do MEC

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