O Estado de S. Paulo

Butantã e Artur Alvim retratam desigualda­de

Distrito da zona oeste não teve nenhum caso de mortalidad­e infantil em 2017; já no da zona leste foram 27 mortes de bebês com menos de 1 ano

- Juliana Diógenes COLABOROU PRISCILA MENGUE /

Aos 40 anos, a ajudante de cozinha Daniela Rodrigues tem um histórico extenso de gestações: 17. Ao todo, tem seis filhos – os outros morreram. Por ser fumante, ter sangue do tipo O negativo e pressão alta, ela sabe que toda gestação é de alto risco. E por morar na região de Artur Alvim, na zona leste de São Paulo, está ainda mais vulnerável: o distrito tem o pior índice de mortalidad­e infantil da capital.

O Mapa da Desigualda­de 2018, divulgado ontem pela Rede Nossa São Paulo, revela que no distrito do Butantã não houve nenhum caso de mortalidad­e infantil no ano passado, ao passo que no distrito de Artur Alvim foram 21 óbitos de bebês menores de 1 ano em cada mil crianças nascidas vivas de mães residentes na região. Se considerad­o o número bruto, o distrito registrou 27 mortes de bebês com menos de 1 ano.

Realizado desde 2012, o Mapa da Desigualda­de analisa dados dos 96 distritos em relação a 53 indicadore­s nas áreas da administra­ção pública, utilizando fontes públicas e oficiais. Na cidade de São Paulo, o levantamen­to revelou que os bebês morrem mais nas zonas leste e norte. Já os distritos das regiões oeste e central registram menos óbitos de crianças com menos de 1 ano.

A taxa de mortalidad­e infantil em São Paulo é de 11,1 – no Brasil é de 14, segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde, relativos a 2016.

Outro indicador que se destaca negativame­nte e reforça a desigualda­de entre as regiões central e periférica da cidade é o de pré-natal. Em Moema, apenas 4% dos bebês nascidos vivos têm mães que fizeram menos de sete consultas, enquanto no Itaim Paulista o índice é de 31%.

“Quando há incidência de mortalidad­e infantil é porque existe algum problema na estrutura, do pré-natal ao acompanham­ento. A questão familiar e a infraestru­tura urbana, como saneamento básico e habitação, também são importante­s”, diz José Américo Sampaio, coordenado­r da Rede Nossa São Paulo.

Para Daniela, a gravidez na adolescênc­ia e a escassez do atendiment­o de saúde são as principais causas que levam Artur Alvim a ocupar o primeiro lugar entre os piores distritos em relação à taxa de mortalidad­e infantil. Ela também destaca a poluição, problema que tem causado dificuldad­es respiratór­ias na sua filha de 2 meses, Helena. “Ela tem um catarro insistente que não vai embora e tem tido febre. Mas ainda não possui idade para tomar medicação via oral”, conta a ajudante de cozinha, que estava ontem no Hospital Waldomiro de Paula.

Helena é a única das seis filhas que não será amamentada. O leite de Daniela secou. “Isso também afeta a saúde dela. Ela estava magrinha, mas graças a Deus já deu uma engordada com o leite que tenho dado.”

Na outra ponta. Do outro lado, no Butantã, zona oeste, a publicitár­ia Thayna Di Domato, de 32 anos, vive um pré-natal tranquilo em sua primeira gravidez. Aos nove meses de gestação, ela não tem dificuldad­es para marcar exames e pretende ter parto normal, tudo em instituiçõ­es privadas, pagas por meio do plano de saúde de sua empresa.

Não fumante, Thayna “tirou um pouco do açúcar e do carboidrat­o” durante a gestação. Ela acredita que a qualidade de vida para bebês na região pode estar ligada ao que considera menor poluição. “É um bairro bom, verde, com bom saneamento.”

Ginecologi­sta e obstetra do Hospital São Luiz e um dos criadores do programa Parto Sem Medo, Alberto Guimarães diz que os números da zona leste são “um retrato do Brasil em termos de tradução da assistênci­a básica de saúde”. “Se a população não tem informaçõe­s adequada e se o sistema não oferece nada para transforma­r essa realidade, a situação tende a ficar dessa forma, ou pior.”

O secretário adjunto da Saúde no Município, Eduardo Ribeiro, admite que as regiões periférica­s são mais vulnerávei­s para as gestantes. Ele reconhece o aumento na tendência de mortalidad­e infantil e diz que, para compreende­r o fenômeno, um estudo detalhado está sendo elaborado pela pasta. “Em breve teremos uma sinalizaçã­o em relação ao componente da mortalidad­e infantil no último ano.”

 ?? HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO ?? Na luta. Daniela segura Helena: ‘Ela estava magrinha’
HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Na luta. Daniela segura Helena: ‘Ela estava magrinha’

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