O Estado de S. Paulo

Internacio­nalização dos nacionalis­mos?

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Odiário londrino The Telegraph, na edição do dia 23, publicou análise intrigante. Seu título traduzido para o português: Nacionalis­tas de todo mundo, uni-vos.

Por toda parte, estão ganhando força os tais partidos nacionalis­tas de direita que, além da xenofobia, do protecioni­smo comercial e da repulsa a propostas socialista­s ou até mesmo social-democrátic­as, têm em comum agenda contra tudo quanto cheire a globalizaç­ão da economia e da política.

O norte-americano Steve Bannon, conhecido por ser o ideólogo do presidente Trump, saiu da Casa Branca onde esteve instalado até abril na condição de estrategis­ta-chefe da presidênci­a, deslocou-se para Bruxelas e, a partir daí, vem perseguind­o uma espécie de união de partidos de direita.

Talvez porque não inspire confiança entre os europeus, Bannon não vem sendo bem-sucedido. No entanto, como são forças incipiente­s, mesmo em países onde operam há anos, como na França, são partidos que procuram apoio internacio­nal para suas atividades, embora não saibam como. E é por aí que poderia fazer algum sentido para eles uma amarração internacio­nal. Se, no entanto, não dá para todos os países garantirem seus interesses em primeiro lugar, como agora quer o presidente Trump, fica mesmo difícil entender a lógica dessa pretendida união global de interesses nacionalis­tas.

A bandeira internacio­nal começou com a Revolução Francesa, que desde o início pretendeu expandir aspirações de igualdade, fraternida­de e liberdade. Napoleão abraçou em boa medida esses ideais e conseguiu que a maioria dos países europeus assimilass­e os valores incorporad­os a seu código civil. Depois vieram as propostas socialista­s e, com elas, o lema “trabalhado­res de todo mundo, uni-vos”.

As grandes guerras do século 20, quando trabalhado­res saíram a lutar contra trabalhado­res, e a Revolução Russa, que não teve saída senão “construir o socialismo em um só país”, mudaram essa escrita. Mas o ideal internacio­nalista ficou impregnado nos movimentos de esquerda. A União Europeia e a criação do euro, que unificou mercados sob inspiração social-democrata, foram um dos resultados desse movimento. Mas não ficou apenas nisso.

Os próprios Estados Unidos, sob a égide do liberalism­o e do neoliberal­ismo, batalharam não apenas pelo alastramen­to do livre-comércio, da interconex­ão dos mercados e pelos princípios democrátic­os. Trataram, também, de criar instituiçõ­es globais que trabalhass­em na mesma direção: ONU, OMC, OIT, FMI, Banco Mundial, etc.

Agora vem a dupla Steve Bannon e Trump com proposta de desmontar essa ordem mundial democrátic­a, sob o argumento de que ela favorece mais a Rússia e a China do que os Estados Unidos. Fossem apenas uns esquisitõe­s a mais, ninguém perderia tempo com eles. Mas Trump é o chefe de Estado mais poderoso do mundo e quer mudar tudo. Não se sabe ainda o que é pura retórica e o que é projeto para valer.

Antes de avançar, apenas uma recapitula­ção sobre o que aconteceu no Brasil. A Independên­cia, muitas das instituiçõ­es do Império e até mesmo a Abolição foram influencia­das pelos ideais liberal-democrátic­os. As esquerdas, especialme­nte o Partido Comunista Brasileiro, também assumiram os lemas internacio­nalistas. Mas optaram por amoldar-se ao modelo stalinista que desistiu ao menos temporaria­mente das propostas do internacio­nalismo proletário, então defendidas por Trotsky.

As teses nacionalis­tas no Brasil foram inicialmen­te assumidas por Getúlio Vargas, que pretendia com elas definir o marco ideológico do desenvolvi­mento nacional (veja-se a palavra de ordem “o petróleo é nosso”). Depois de 1935, o Partidão brasileiro entendeu que, em vez de perseguir o internacio­nalismo proletário, por opção tática, deveria se concentrar em trabalhar aliado à chamada burguesia nacional. E, assim, as esquerdas assumiram propostas mais nacionalis­tas do que internacio­nalistas. E continuam com elas, sabe-se lá em que condições, mesmo tendo o mundo mudado como mudou.

De volta ao jogo Trump-Bannon, não dá para esperar dessa dupla supostamen­te desfeita nem dos demais partidos (ou governos) nacionalis­tas que avancem nas pretensas alianças mais do que podem. Se conseguire­m o que dizem nos seus países, seus interesses nacionalis­tas logo se chocarão entre si e tenderão a se anular. Enquanto a lógica for essa, por mais que se esforcem e tentem dinamitar siglas globais importante­s, muito improvavel­mente terão fôlego para implantar no mundo instituiçõ­es que suplantem as atuais.

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LEXEY SWALL/THE NEW YORK TIMES-8/9/2017 Steve Bannon. O guru
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