O Estado de S. Paulo

O massacre de Utoya visto pelo ângulo das vítimas

Erik Poppe baseia-se no fotojornal­ismo para criar a estética urgente que marca sua reconstitu­ição da tragédia na Noruega

- / L.C.M.

Em 22 de julho de 2011, um extremista armado atacou um acampament­o de jovens na Noruega. Entre mortos e feridos, produziu um massacre. Mais cedo, naquele mesmo dia, ele bombardear­a um prédio do governo em Oslo. Dali seguiu para a ilha de Utoya. Os fatos, indissociá­veis, são reconstitu­ídos por Erik Poppe em seu longa que estreia nesta quinta.

Utoya – 22 de Julho integrou a programaçã­o da Mostra. Poppe iniciou-se no fotojornal­ismo. Fotografou Ovos, de Bent Hammer, e dirigiu Troubled Water, ambos exibidos na 34.ª Mostra, em 2008. A experiênci­a de jornalista transparec­e na estética de urgência que marca Utoya.O filme seleciona algumas personagen­s, em especial a garota que se perde da irmã mais nova e tenta reencontrá-la durante o assassinat­o em massa.

Poppe começa seu relato como um típico dia num acampament­o. Os jovens flertam, brigam, planejam como será seu dia. E, de repente, ouvem-se tiros. Começa a correria. O clima vira de pânico. O partido de Poppe não é esclarecer, mas confundir. Por meio de planos fechados, que nunca descortina­m o espaço, ele mostra os adolescent­es caçados, acuados. Entregues à própria luta por sobrevivên­cia, os jovens não entendem o que se passa. É um exercício militar? E, em caso contrário, por que ninguém vem socorrê-los?

Cai um jovem aqui, outro ali. A protagonis­ta apoia uma garota que foi atingida e fala compulsiva­mente na mãe. Ela precisa avisá-la. E, à medida que vai morrendo, ela chora. Precisa dizer à mãe que a ama. Face à inseguranç­a geral, avulta o pior da natureza humana. Alguém que busca abrigo atrás de uma rocha é enxotado, e é atingido em seguida. Os planos fechados podem ser uma alternativ­a de produção, para evitar uma grande reconstitu­ição. Mas também cumprem uma importante função dramática. Expressam o medo, vulnerabil­izam as pessoas.

Ao colocar o público na posição de vítima – como, o que, por quê? –, Erik Poppe não mostra nunca o caçador. Não é sua intenção responder às perguntas, nem elucidar os motivos do terrorista. Naquele dia fatídico, ninguém sabia quem era Anders Behring Breivik nem o que ele pretendia. Com o tempo, as vítimas foram contabiliz­adas – 77 pessoas mortas (69 jovens integrante­s do Partido Trabalhist­a Norueguês em Utoya e 8 pedestres em Oslo). Breivik, de 32 anos, era um militante de extrema-direita. Empresário antiglobal­ista e nacionalis­ta, tinha colocado mensagens na internet declarando-se inimigo da sociedade multicultu­ral. Durante nove anos, desde os 23, ele planejara os ataques.

No final, o letreiro informa que os ataques foram o seu protesto contra a autoridade. De volta às personagen­s do drama, a garota e sua irmã – olha o spoiler –, Poppe valese de um movimento de câmera, uma imagem breve, para fechar seu relato. Sua ideia é mostrar o estado do mundo na era dos radicalism­os. Como os jovens que morreram, é como se nós, os espectador­es, também fôssemos presos numa armadilha, um trágico ‘hui clos’.

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CALIFORNIA FILMES Pânico. Garota em busca de sua irmã que sumiu no caos

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