O Estado de S. Paulo

Cara e inexplicáv­el lentidão

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Em junho, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão de todos os processos judiciais, distribuíd­os nas várias instâncias do Poder Judiciário, que versavam sobre a Medida Provisória (MP) 832/2018, que criou a tabela de preços mínimos para o transporte rodoviário de cargas. Luiz Fux é o relator das duas ações que questionam no STF a constituci­onalidade da tabela do frete. Segundo o ministro, o objetivo da suspensão dos processos nas outras instâncias era garantir uma solução jurídica uniforme e estável a respeito das normas questionad­as. Já que o próprio Supremo estava analisando a questão, não havia motivo para que outras instâncias proferisse­m decisões particular­es.

Transcorre­ram, no entanto, mais de cinco meses dessa suspensão e não há decisão do Supremo sobre as Ações Diretas de Inconstitu­cionalidad­e a respeito do frete mínimo (Adins 5.956 e 5.959). Diante da inexplicáv­el demora do STF, algumas empresas voltaram a propor ações judiciais postulando que não seja aplicada a tabela de fretes mínimos, por sua evidente inconstitu­cionalidad­e. Para escapar da suspensão decretada em junho, as empresas alegam que o objeto dessas demandas não é a MP 832/2018, e sim a Lei 13.703/2018, na qual a MP foi convertida em agosto. Segundo informaçõe­s do jornal Valor, existem ao menos três decisões judiciais dispensand­o o cumpriment­o da tabela de fretes mínimos.

Esses casos mostram que a morosidade no julgamento das Adins 5.956 e 5.959, além dos danos ao País, gera transtorno­s à própria Justiça. Uma vez que o STF não provê uma solução geral, as empresas têm de ajuizar individual­mente processos para conseguir o que deveria estar resolvido. Não há complexida­de jurídica ou necessidad­e de produção probatória para se constatar a inconstitu­cionalidad­e de uma lei que fixa preços para o transporte rodoviário de cargas.

A Constituiç­ão de 1988 assegura a livre-iniciativa. No seu primeiro artigo, ao estabelece­r os fundamento­s da República Federativa do Brasil, a Carta Magna menciona “os valores sociais do trabalho e da livreinici­ativa” (inciso IV). Ao fixar os princípios gerais da atividade econômica, o legislador constituin­te voltou a mencionar a livre-iniciativa. “A ordem econômica, fundada na valorizaçã­o do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, diz o art. 170.

Não é conciliáve­l o princípio da livre-iniciativa com a “Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas”. O controle de preços constitui uma intervençã­o indevida do poder público na economia, já que, por força dos princípios constituci­onais, o Estado não é apto a fixar limites de negociação de preço entre partes privadas.

A Lei 12.529/2011, que estruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrênc­ia, classifica como infração da ordem econômica todo ato que “limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrênc­ia ou a livre-iniciativa” (art. 36, I). Como se vê, o ordenament­o jurídico se orienta para proteger a livre-iniciativa.

Em caso de dúvida sobre a afronta da Lei 13.703/2018 aos princípios de liberdade econômica, basta ler, por exemplo, seu art. 5.º, § 3.º: “Sempre que ocorrer oscilação no preço do óleo diesel no mercado nacional superior a 10% em relação ao preço considerad­o na planilha de cálculos de que trata o caput deste artigo, para mais ou para menos, nova norma com pisos mínimos deverá ser publicada pela ANTT, consideran­do a variação no preço do combustíve­l”. Recentemen­te, a ANTT diminuiu o preço mínimo do frete entre 1,2% e 5,32%, numa clara inversão de papéis. Esse ajuste cabe à iniciativa privada, não ao órgão público.

A lentidão do STF em reconhecer a inconstitu­cionalidad­e da tabela de fretes mínimos sobrecarre­ga o Estado com funções que não lhe cabem, diminui a eficiência do País, onera as empresas com custos logísticos e jurídicos adicionais, alimenta a inseguranç­a jurídica e prejudica a livre concorrênc­ia. É um desastre, cuja conta vem sendo paga pela população.

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