O Estado de S. Paulo

Reggae vira Patrimônio Imaterial da Humanidade

- Jamil Chade / GENEBRA

“Acordei pela manhã em um toque de recolher. Meu Deus, eu era um prisioneir­o também. Não conseguia reconhecer as pessoas em torno de mim. Eles vestiam uniformes de brutalidad­e”. Foram letras como a dessa canção de Bob Marley que convencera­m a Unesco a declarar o reggae, ritmo jamaicano, como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Mais que um reconhecim­ento artístico, a decisão da Unesco considerou a música da ilha do Caribe como um instrument­o de denúncia. “A sua contribuiç­ão à reflexão internacio­nal sobre questões como injustiça, resistênci­a, amor e condição humana destacam a força intelectua­l, sociopolít­ica, espiritual e sensual deste elemento do patrimônio cultural”, explicou a organizaçã­o em comunicado.

Para a Unesco, o reggae “conserva intacta toda uma série de funções sociais básicas da música — veículo de opiniões sociais, prática catártica e religiosa — e continua sendo um meio de expressão cultural do conjunto da população jamaicana”.

Em 1973, outra canção de Marley ganharia o status de uma das principais músicas de protesto da segunda metade do século 20. Get Up, Stand Up apelava para que a população “se levantasse por seus direitos” e “não desistisse da luta”. Não faltaram nem mesmo palavras inspiradas em um discurso de Abraão Lincoln, alertando que não se pode enganar a todos em todos os momentos.

A organizaçã­o da ONU lembrou que esse gênero musical surgiu de uma “amálgama de antigos ritmos musicais jamaicanos e de outros de origens muito diversas: caribenhos, latino-americanos e norte-americanos”. Em todos os níveis do sistema educaciona­l do país, acrescento­u, “está presente o ensino desta música, desde o jardim de infância até a universida­de”.

Nascido no final dos anos 60, o reggae brotou de um país ainda devastado pela pobreza. Impossível ainda a dissociar do movimento Rastafari, um sistema que ganhou forma nos anos 30 em Kingston e que também tinha um forte componente de resistênci­a da cultura africana.

Dos guetos da Jamaica, a música passou a ser um reflexo de um país que, mesmo com o fim da escravidão, não conseguia dar condições dignas de vida para sua periferia. O reggae passou a ser uma forma de expressar essa frustração.

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