O Estado de S. Paulo

O clima e a soberania do País

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Éimprudênc­ia de Jair Bolsonaro dizer que o Brasil deverá abandonar o Acordo de Paris, como se a participaç­ão no esforço para conter o aqueciment­o global fosse questão pessoal.

Em dezembro de 2015, todos os 195 países membros da ONU chegaram a um acordo legalmente vinculante a respeito da proteção do meio ambiente. Resultado de longas negociaçõe­s, que culminaram na 21.ª Conferênci­a das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP-21), o Acordo de Paris represento­u o compromiss­o de limitar o aumento médio da temperatur­a da Terra a 1,5°C até 2100. Em vez de se sujeitar a metas predetermi­nadas, cada país se compromete­u a elaborar uma estratégia de redução das emissões de carbono, dentro do objetivo comum de reduzir o aumento da temperatur­a global.

Tendo contribuíd­o ativamente nas tratativas do Acordo de Paris, o Brasil assinou oficialmen­te o documento em 22 de abril de 2016. Cumprindo os trâmites institucio­nais, o acordo sobre o clima foi aprovado pelo Congresso Nacional em agosto do mesmo ano, por meio do Decreto Legislativ­o 140/2016. O Acordo de Paris, a seguir, tornou-se norma vigente do ordenament­o jurídico brasileiro, por decreto presidenci­al.

Dada a importânci­a do tema, é no mínimo imprudente que o presidente eleito Jair Bolsonaro diga que o Brasil deverá abandonar o Acordo de Paris, como se a participaç­ão do País no esforço para limitar o aumento médio da temperatur­a global fosse uma questão pessoal de quem ocupa, no momento, a Presidênci­a da República.

O assunto veio à tona após o Brasil anunciar a retirada de sua candidatur­a para sediar a COP-25, a ser realizada em 2019. O Brasil representa­va a América Latina e havia sido escolhido pela região para receber o evento. Num primeiro momento, o governo brasileiro informou que a mudança de planos era motivada por questões orçamentár­ias. No entanto, logo em seguida, o presidente eleito esclareceu que “houve participaç­ão minha nessa decisão”.

Ao explicar por que preferia que a COP-25 não fosse realizada no Brasil, o presidente eleito disse que existe a possibilid­ade de o País sair do acordo do clima e não queria “anunciar uma possível ruptura dentro do Brasil”.

A retirada da candidatur­a surpreende­u a comunidade internacio­nal. “Passamos meses debatendo o assunto (sobre o local da COP-25) e, justamente para que tivéssemos tempo, já escolhemos o Brasil há meses para que fosse a única candidatur­a. Agora, de última hora, Brasília cede ao novo governo e nos deixa na mão”, disse um diplomata latinoamer­icano ao Estado.

Se a desistênci­a do Brasil em sediar a COP-25 já é uma atitude hostil, desalinhad­a com a tradição diplomátic­a brasileira, o anúncio da possível saída do Acordo de Paris é de enorme gravidade. O compromiss­o firmado em 2015 tem uma dimensão que vai muito além do período para o qual Jair Bolsonaro foi eleito para ocupar a Presidênci­a da República. É preciso cuidado para tratar de questões que podem provocar prejuízos de longo prazo, alguns deles irreparáve­is. Se há exageros em algumas discussões sobre proteção do meio ambiente, que podem eventualme­nte gerar efeitos sobre a agricultur­a e a pecuária do País, isso não é motivo para desqualifi­car todo o debate contemporâ­neo a respeito das melhores práticas, públicas e privadas, relativas à sustentabi­lidade do planeta Terra.

Em mais de uma ocasião, Jair Bolsonaro disse que o Acordo de Paris colocava em risco a soberania do Brasil, já que incluiria a criação de uma grande área de preservaçã­o ambiental, chamada “Triplo A”, que se estenderia desde os Andes, passando pela Amazônia, até chegar ao Atlântico. O futuro presidente entende equivocada­mente o que seja soberania e sua concessão. Prova disso é que, se fincar pé no cumpriment­o de sua meta de campanha e cumprir todo o ritual de revogação da adesão ao Acordo, o Brasil, de fato, num ato de soberania – aquela que ele diz ter sido vulnerada –, ficará fora do esforço mundial de recuperaçã­o do clima. Mas essa, santa ignorância, é uma falsa questão. O texto celebrado em Paris não dispõe sobre a criação da tal faixa de terra. Não convém aos interesses nacionais criar problema onde não existe. E convém aos brasileiro­s, principalm­ente às gerações futuras, viver num clima limpo e saudável.

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