O Estado de S. Paulo

A nova mobilizaçã­o sindical

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ACentral Única dos Trabalhado­res (CUT), maior agremiação sindical do País, lançou um plano de demissão voluntária com o objetivo de reduzir sua folha de pagamentos. O motivo é conhecido: sem o dinheiro fácil da obrigatori­edade da contribuiç­ão sindical, em boa hora extinta pela reforma trabalhist­a aprovada em 2017, e diante da crescente sangria de filiados, a CUT e outras entidades do gênero estão cortando na carne para não perecerem.

De fato, parece haver uma relação direta entre o fim da obrigatori­edade da contribuiç­ão sindical e a penúria dos sindicatos, mas o fato incontorná­vel é que o dinheiro obtido pela cobrança daquele imposto vinha servindo somente para manter um modelo de mobilizaçã­o trabalhist­a que está em acelerada decadência. Ou seja, retirada a contribuiç­ão, ficou explícito que esses sindicatos não dispõem mais da capacidade – que no passado já foi imensa e temida – de liderar os trabalhado­res em suas reivindica­ções.

Foi-se o tempo em que os trabalhado­res dependiam dos sindicatos para se mobilizar e obter benefícios e reajustes salariais. Como mostrou recente reportagem da revista The Economist, as redes sociais vêm substituin­do as assembleia­s como forma de decidir a pauta de reivindica­ções e combinar um protesto ou uma paralisaçã­o. A reportagem cita o exemplo de uma greve de professore­s em Virgínia Ocidental, nos Estados Unidos. O sucesso desse movimento foi garantido por uma página no Facebook que centralizo­u as discussões. Nada menos que 70% dos professore­s do Estado se cadastrara­m na página.

Na França, cidadãos de classe média vêm se mobilizand­o a partir das redes sociais para protestar contra o aumento dos combustíve­is, num movimento que começa a ser levado a sério no país – no fim de semana passado, 280 mil franceses foram às ruas para protestar, muitos com coletes refletivos amarelos, obrigatóri­os para motoristas na França e que se tornaram o símbolo do protesto. Não há líderes conhecidos, não há partidos ou sindicatos envolvidos, e a pauta é difusa.

Fenômeno semelhante ocorreu no Brasil em maio, com o movimento grevista de caminhonei­ros autônomos. A paralisaçã­o, de grandes proporções, não foi liderada nem organizada pelas entidades que dizem representa­r esses profission­ais – houve até um momento em que essas associaçõe­s fecharam um acordo com o governo pelo fim da greve, mas os caminhonei­ros, mobilizado­s pelas redes sociais, rejeitaram o acerto e mantiveram o protesto. Ficou claro que os sindicatos de caminhonei­ros haviam se tornado dispensáve­is.

Tudo isso talvez ajude a explicar por que os sindicatos brasileiro­s perderam 1,5 milhão de associados somente nos últimos dois anos, conforme recente pesquisa do IBGE. Apenas 14,4% dos trabalhado­res do País são sindicaliz­ados.

Mas outro aspecto fundamenta­l, também relacionad­o aos recentes avanços tecnológic­os, tanto na área de comunicaçã­o como na indústria, deve ser levado em conta para entender a decadência do antigo modelo sindical: o próprio trabalho está passando por profundas transforma­ções. Empregos tradiciona­is, especialme­nte na indústria – berço do movimento sindical –, vêm sendo substituíd­os pela robotizaçã­o. Além disso, a tecnologia tem permitido que trabalhado­res atuem por conta própria, especialme­nte na área de serviços.

O “sindicato” desses trabalhado­res está nas redes sociais, onde compartilh­am experiênci­as e, quando é o caso, se organizam para protestar – já há até empresas de serviços digitais especializ­adas em organizar esses grupos. Tentando adaptarse aos novos tempos, grandes sindicatos europeus, como o alemão IG Metall, começaram a oferecer seus préstimos também para trabalhado­res autônomos, dada a crescente terceiriza­ção da mão de obra.

Nada disso significa que o poder de negociação dos trabalhado­res será igual ao que tinham quando os grandes sindicatos imperavam. No entanto, os sindicatos “virtuais” vêm se provando dinâmicos o bastante para que as reivindica­ções dos trabalhado­res sejam levadas em conta.

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