O Estado de S. Paulo

O espião francês

É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

- EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Alto funcionári­o do Senado francês declarava amor pelo regime norte-coreano

Finalmente, a França produz um espião. É isso mesmo! Tornou-se chato, humilhante: os grandes espiões modernos, há muitos anos, têm sido feitos na Inglaterra, nos EUA, em Moscou, na Coreia do Norte, às vezes na Albânia e em Hollywood. Mas na França, nada.

A França até tem um bom histórico. Hospedou uma espiã de alta patente, Mata Hari, filha de um comerciant­e de chapéus, holandesa, bela e ousada. Bailarina com tendência erótica, era amiga da alta sociedade francesa, da qual extraiu segredos que transmitiu de imediato ao seu patrão, a Alemanha. Nada mal, mas tudo isso tem mais de um século. E os franceses acabaram fuzilando-a.

A partir de então, não houve muito. Até hoje. Acabamos de encontrar um que tem tudo para agradar. Seu primeiro mérito é trabalhar para o país mais estranho no mundo, o menos conhecido, pobre, mas formidável, pois montou, nas barbas dos EUA, um arsenal de bombas nucleares e um esquadrão de mísseis interconti­nentais. Esse país é a Coreia do Norte, liderada pelo “clownesco”, mas provavelme­nte muito inteligent­e, Kim Jong-un.

Esse espião francês tem outra virtude: ele não é um “miserável”, um viciado em drogas ou um desemprega­do sem ajuda do governo. Saiu das melhores escolas (a ENA, na qual se formaram nos últimos 50 anos todos os principais políticos franceses, incluindo, obviamente, Emmanuel Macron). Ele pertence portanto à seção “chique” da espionagem global, à semelhança dos grandes espiões ingleses que estudaram em Cambridge ou Oxford antes de passar, no tempo da Guerra Fria, para o serviço dos comunistas e de Moscou.

O espião que a França acaba de descobrir chama-se Benoit Quennedy. Foi encontrado em um dos prédios mais nobres do país, o Palácio de Luxemburgo, onde fica o Senado. Mas este Quennedy não é senador. Ele é um dos altos funcionári­os do Senado. Era lá que ele trabalhava, quieto, pacífico e educado.

O magistrado encarregad­o do caso acusou Quennedy de “traição por entregar informaçõe­s a uma potência estrangeir­a”. Nosso espião fica proibido de deixar o território, ter contatos com países estrangeir­os e exercer sua profissão. Ele está confinado em sua casa no quinto arrondisse­ment de Paris, ou seja, Saint Germain des Prés e Luxemburgo, um dos lugares mais frequentad­os por intelectua­is em Paris. Entendemos a discrição das autoridade­s judiciais: uma vez que prendemos um espião internacio­nal, não vamos dispersar seus segredos aos quatro ventos.

Quennedy não escondeu o interesse pela Coreia do Norte, um país fechado como uma lata de sardinha onde ele costumava ser um dos raros turistas. Não escondeu sua admiração por Kim e pela Coreia do Norte. Ele publicou livros em que declarava seu amor pelo país e pela dinastia Kim.

Pode-se também adivinhar as razões de sua “traição”. Era, pelo que parece, por ódio aos EUA, a Coreia do Norte sendo, até a reviravolt­a de Donald Trump, um país não só comunista mais ainda apaixonada­mente antiameric­ano. Ele amava a Coreia, porque era um dos poucos países que “recusara o alinhament­o com o Ocidente”.

Na cabeça de Quennedy, a França estaria bem posicionad­a para constituir, na zona finalmente livre dos EUA, uma “terceira via”.

Pode-se dizer que a colheita foi modesta. Mas quando finalmente capturamos um espião cuja escala pode ser internacio­nal, é natural que destilemos os seus segredos “gota por gota”.

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