O Estado de S. Paulo

O conto do sapo

- ADRIANO PIRES

Oconto do sapo, muito utilizado em palestras e cursos, diz que um sapo inserido num recipiente com água na mesma temperatur­a inicial do seu habitat não percebe o aqueciment­o gradual da água e permanece estático até morrer na fervura. O mesmo experiment­o feito com água a uma temperatur­a inicial elevada provoca uma reação instantâne­a no sapo, que salta imediatame­nte para fora do recipiente, evitando a morte.

A situação em que se encontra o mercado de combustíve­is e do gás de cozinha no Brasil assemelha-se ao sapo lentamente cozido do conto. É consenso entre os principais agentes do setor, de empresas a associaçõe­s de classe, que a dependênci­a da importação, a inseguranç­a jurídica e regulatóri­a, os gargalos logísticos e a ausência de investimen­tos em infraestru­tura constroem um cenário preocupant­e para o setor de combustíve­is brasileiro. A previsão de aumento da demanda em 20% na próxima década, maior que a oferta, potenciali­za essa preocupaçã­o.

A importação líquida de derivados de petróleo no Brasil atingiu mais de 500 mil barris de petróleo por dia (bpd), o que correspond­e a 23,4% do consumo anual. Dentro do setor, o diesel apresenta grande importânci­a em razão do seu uso no abastecime­nto de veículos pesados, que dominam o transporte de mercadoria­s, tanto por rodovias quanto por ferrovias. Com o atendiment­o de 44% da demanda, esse combustíve­l tem números de importação parecidos com a média dos outros derivados, atingindo cerca de 24% do total consumido.

Esses dados parecem contraditó­rios com o cresciment­o recente da produção e exportação de petróleo registrado no Brasil, mas são justamente um sintoma dos problemas existentes. Apesar do aumento registrado na produção e na exportação de petróleo, a importação de derivados continuará a aumentar nos próximos anos, por causa da ausência de investimen­tos em refino. As 17 refinarias atualmente em operação no Brasil têm capacidade de refino total de 2,4 milhões de bpd, tendo efetivamen­te realizado 1,7 milhão de bpd em 2017. Porém, desse montante, a Petrobrás foi responsáve­l por mais de 98%, equivalent­es à sua parcela em capacidade instalada.

Outro aspecto importante é a política de preços adotada. A paridade internacio­nal, atingida em 2017, permitiu a diminuição da participaç­ão da Petrobrás e a diversific­ação da importação, reduzindo a parcela da empresa de 83,7% para 21,4% na gasolina e de 84,2% para 4,3% no diesel, entre 2015 e 2017. Essa nova dinâmica promoveu maior concorrênc­ia entre os importador­es, Petrobrás e as distribuid­oras. Ou seja, a meta de aumentar a competição e beneficiar o consumidor estava sendo alcançada.

É importante que se atente para a necessidad­e de abertura do mercado de refino para atrair investimen­tos no Brasil. A diferença entre o spread dado pelos custos logísticos para a exportação do óleo e a importação do derivado poderia ser incorporad­a nas margens de refino nacional. Sendo assim, é urgente concluir projetos paralisado­s, abrir o acesso às infraestru­turas e simplifica­r a política tributária e a paridade internacio­nal de preços.

As expectativ­as de criar uma agenda de vanguarda para o segmento de downstream no novo governo está presente e o mercado, ansioso para esse acontecime­nto. Não tenho dúvidas de que o setor de petróleo e gás natural poderá ser uma redenção econômica para o Brasil. Para isso, é preciso que o novo governo dê muita atenção e celeridade às

Sem dúvida, o setor de petróleo e gás natural poderá ser uma redenção econômica para o Brasil

suas ações criando estabilida­de regulatóri­a e segurança jurídica capaz de atrair grandes investimen­tos em toda a cadeia. No caso específico do downstream, o desafio maior será afastar de vez os fantasmas do congelamen­to, tabelament­o e ressarcime­nto que ressurgira­m na greve dos caminhonei­ros, incluindo definitiva­mente o Brasil na Bacia do Atlântico como um grande agente importador e exportador. Feito isso, a Petrobrás deve desenhar um modelo de forma rápida e transparen­te para a venda de refinarias e da BR Distribuid­ora.

Caso não se reflita sobre este cenário, ficaremos como o sapo lentamente aquecido do conto, deixando o tempo passar até quando as saídas serão mais difíceis e complicada­s.

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