O Estado de S. Paulo

‘Com casa em ordem, investimen­to volta’

- Douglas Gavras

O investimen­to baixo é o que tem freado a recuperaçã­o da economia, na avaliação do exdiretor do Banco Central Alexandre Schwartsma­n. Apesar de imaginar que 2019 será um ano melhor, ele diz que a volta do investimen­to depende de uma sinalizaçã­o mais clara de que o governo de Jair Bolsonaro vai conseguir aprovar as reformas que o País precisa. A seguir, trechos da entrevista.

O cresciment­o de 0,8% no trimestre é um indício de que a recuperaçã­o ainda segue lenta?

Crescer 0,8%, em si, não é tão ruim. O que acontece é que quando se olha para o conjunto da obra, aí que se fica realmente desapontad­o. Desde o fim da recessão, em 2016, o PIB cresceu em torno de 3%. Quando se olha para as outras recessões, é pouco. Era para estar 7% ou 8% acima do pior da recessão, não a metade disso.

Qual a expectativ­a para o ano?

Crescer perto de 1,3%. Quando me perguntara­m, há um ano, como seria 2018, eu imaginava que seria bem melhor. Só que muita coisa aconteceu e as expectativ­as foram revertidas.

O que ainda está emperrando?

Há uma fraqueza no investimen­to. Pode ser que, passadas as eleições, as incertezas diminuam. Em alguma medida, o empresaria­do se sente mais seguro para investir agora, mas não é uma carta branca. O País tem grandes desafios a superar. O investimen­to cresceu no terceiro trimestre, mas impulsiona­do por uma movimentaç­ão pontual da Petrobrás.

A resolução das reformas vai definir o cresciment­o em 2019?

Tem uma agenda grande. Resultados fiscais, que embora tenham melhorado um pouco, ainda são ruins. Tem uma tendência de cresciment­o da dívida pública, que não se resolve só por decretar um teto de gastos. Precisa de uma reforma da Previdênci­a, de uma desvincula­ção de uma série de despesas. Se o governo conseguir entregar isso, tira muito da incerteza que tem sobre o endividame­nto explosivo do País e ele consegue crescer mais rápido.

Arrumar as contas públicas destravari­a os investimen­tos?

Com a casa em ordem, do ponto de vista fiscal, o investimen­to volta. As duas coisas estão intimament­e ligadas. Vamos falar a verdade: quem está disposto a fazer um programa de investimen­tos para daqui a cinco anos sem saber o que vai acontecer com o País e olhando para a escalada do endividame­nto do governo?

Por onde começar?

A verdade é que o País tem esses problemas há muito tempo e que só começaram a ser resolvidos há relativame­nte pouco tempo. O teto de gastos, da forma que existe hoje, é sustentáve­l por mais dois anos, talvez. A partir disso, se começa a entrar em questões de como a máquina pública vai funcionar.

O governo eleito tem espaço para fazer essas reformas?

Tenho dúvida se a sociedade deu a este governo um mandato para fazer um ajuste fiscal no País. A eleição não foi sobre temas econômicos. Isso não quer dizer que o governo não deva tentar fazer reformas, mas é preciso lembrar que não é uma decisão monocrátic­a, tem de passar pelo Congresso.

O consumo das famílias, aparenteme­nte, saiu de uma letargia e cresceu 0,6% no terceiro trimestre. Isso é sustentáve­l?

No ritmo atual, não tem nada que torne o consumo insustentá­vel. Ele não vem crescendo muito rápido, mas outros indicadore­s mostram que o consumo está bastante ancorado na expansão da massa salarial. Como tem uma baita capacidade ociosa na economia, tem espaço para crescer.

O ano que vem deve ser de cresciment­o mais expressivo?

Acredito que a economia deve crescer um pouco mais, entre 2% e 2,5%. Mas esse ritmo é modesto, perto do tombo que o País levou. A impressão é que o Brasil cresce muito menos do que poderia. A economia não deslancha, porque as pessoas ainda estão, com razão, com medo do futuro.

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