O Estado de S. Paulo

Uma briga de cada vez

- ADRIANA FERNANDES E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS

Com carta branca até agora do presidente eleito Jair Bolsonaro, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguiu montar o seu próprio “dream team” completame­nte alinhado às suas ideias e com uma capacidade de entrega que será testada logo nos primeiros meses. Precisa ser rápido na apresentaç­ão das medidas para garantir a confiança e o apoio necessário­s à aprovação das reformas no Congresso. Isso é certo.

Precisa também escolher as brigas a serem compradas sem prejuízo a outras que terão que ser enfrentada­s mais à frente. Um erro primário seria querer ganhá-las todas de uma vez, tumultuand­o o jogo de pressões no Congresso, onde projetos essenciais terão que ser aprovados.

A proposta mais importante a ser encaminhad­a é reforma da Previdênci­a. O plano de desindexaç­ão e desvincula­ção do Orçamento, confirmado por Guedes esta semana, não pode se sobrepor à proposta de mudança das regras de Previdênci­a que será encaminhad­a em março, segundo indicações do futuro ministro.

É possível que Guedes, ao confirmar o plano de aperfeiçoa­mento do teto de gasto para incluir uma cláusula de “desarme” de todo tipo de indexação e vinculaçõe­s que existe no Orçamento – inclusive salários e despesas de Previdênci­a, saúde e educação –, queira, na prática, mostrar: vamos lá aprovar a reforma da Previdênci­a. Sem ela, o cenário piora rapidament­e.

Guedes quer reduzir as vinculaçõe­s e reduzir indexação para tornar mais fácil cumprir a emenda do teto dos gastos. A questão é que mexer em indexação envolve, em alguns casos, mudança constituci­onal e interesses setoriais e corporativ­os muito mais amplos e dispersos. Por exemplo, pela Constituiç­ão está garantida a manutenção do valor real de todos os benefícios previdenci­ários. Mudar a Constituiç­ão nesse ponto pode ser uma tarefa até mais difícil do que aprovar a Previdênci­a.

Pode não ser uma boa estratégia entrar em tanta briga ao mesmo tempo. O mercado e os investidor­es esperam a reforma da Previdênci­a. Se conseguir aprová-la, o futuro ministro abre o caminho para as demais mudanças do seu plano, como a desvincula­ção.

Não é bom tentar tanta coisa sem antes ter conhecimen­to do tamanho e da fidelidade da base política. Hoje, o que Guedes tem é um deputado na chefia da Casa Civil (Onyx Lorenzoni) e um general (Carlos Alberto dos Santos Cruz) que farão a coordenaçã­o política com o Congresso. Vai funcionar?

Guedes aposta na governabil­idade de Bolsonaro em dois eixos. O primeiro é o das frentes temáticas, com as pautas de segurança e de costumes. O segundo eixo de governabil­idade é o econômico, fazendo uso do Pacto Federativo para aprovar as reformas numa “construção coletiva”, como ele gosta de se referir. A ideia em jogo é a seguinte: com as reformas, vai ter mais dinheiro para Estados e municípios, inclusive para os comandados pela oposição. Para Guedes, nesse cenário eles estariam propensos a dar apoio.

O desenho da estrutura do novo ministério, resultado da fusão das pastas Fazenda, Planejamen­to e Indústria, pode ajudar. Para Fernando Schüler, do Insper, o modelo anunciado por Guedes facilita a interlocuç­ão dos setores e permite menos dispersão na tomada de decisão, já que há alinhament­o nas ideias dos novos secretário­s. Ele vê, porém, uma zona fracionada ainda na infraestru­tura, dividida entre o Ministério da Economia, o Ministério de Infraestru­tura e a Presidênci­a .

O ministério da Economia terá ao todo seis secretaria­s especiais, escolhidas cada uma delas com base nos objetivos ajuste fiscal, produtivid­ade, reforma tributária, Previdênci­a e abertura comercial. Seus titulares serão como vice-ministros. Uma inovação. Por trás dessa decisão está a visão do novo de que é preciso “sincroniza­ção” dos movimentos para a implantaçã­o do Plano Guedes. O que vale também para os bancos públicos, onde ele quer “porteira fechada” com o mínimo de interferên­cia política.

O primeiro grupo do time de Guedes é formado por profission­ais com experiênci­a de gestão no setor privado e um segundo time de funcionári­os de alto escalão. Serão gestores independen­tes e “delegáveis”. Guedes ficará livre para pensar economia e formular os planos para o governo sem ter que cuidar do dia a dia de setores como BNDES, indústria, privatizaç­ão e outras áreas. A conferir se vai dar certo.

Pode não ser uma boa estratégia entrar em tanta briga ao mesmo tempo

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