O Estado de S. Paulo

Desafios regionais

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Ogesto do presidente eleito Jair Bolsonaro de bater continênci­a para o chefe do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, não deve ser supervalor­izado nem ignorado. Gestos importam. Enquanto as palavras passam por um cálculo intelectua­l, os gestos estão mais diretament­e relacionad­os à esfera emocional. Por isso, tendem a ser considerad­os mais espontâneo­s e verdadeiro­s.

A continênci­a teve um ar mais descontraí­do do que formal, assim como o ambiente do encontro de uma hora, na casa do presidente eleito. Bolton, por sinal, não retribuiu, até porque não é militar. Durante a Guerra do Vietnã, ele se alistou na Guarda Nacional e depois entrou para a reserva do Exército – dois artifícios usados na época para evitar a convocação.

Com a continênci­a, Bolsonaro sublinhou o fato de que um dos principais temas do encontro era a segurança na região – principalm­ente, a crise na Venezuela. E de que ali estava reunida, como observaria Bolton mais tarde, “a equipe de segurança nacional” do presidente eleito: os futuros ministros da Defesa, do Gabinete de Segurança Institucio­nal e das Relações Exteriores.

Depois da reunião, Bolsonaro enfatizou: “Vai ser difícil tirar a Venezuela da situação em que se encontra, mas nós aqui faremos o possível pelas vias legais e pacíficas”. Entretanto, há precedente­s, tanto da parte do governo de Donald Trump quanto do entorno do presidente eleito, incluindo seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado federal, de cogitar usar a força para apear os chavistas do poder.

Livrar os venezuelan­os da repressão autoritári­a e do flagelo humanitári­o a que estão submetidos é um desejo de todo observador que tenha alguma sensibilid­ade humana e não esteja cego pela ideologia. E a Venezuela é, sem dúvida, o principal fator de instabilid­ade da região.

Mas alimentar as suspeitas de que outros países estejam tramando uma intervençã­o militar reforça a posição dos chavistas, que justificam sua inépcia econômica e brutalidad­e contra a oposição argumentan­do que a Venezuela é alvo de “guerra econômica” e “imperialis­mo”.

Os oposicioni­stas venezuelan­os pedem que a comunidade internacio­nal pressione politicame­nte o regime e adote sanções individuai­s contra seus dirigentes – coisa que o Brasil tem recusado, e deve fazer. Mas não lance mão de embargo comercial nem muito menos fale em ação militar.

Durante a semana, Eduardo Bolsonaro foi recebido por pessoas influentes no governo Trump, incluindo seu genro e conselheir­o Jared Kushner, os senadores republican­os Ted Cruz e Marco Rubio e subsecretá­rios de Estado e do Tesouro. Em outro gesto significat­ivo, o deputado se deixou fotografar com um boné da campanha da reeleição de Trump em 2020, e os dizeres “América Primeiro”.

O futuro governo brasileiro não pode esquecer que os democratas recuperara­m a maioria na Câmara dos Deputados e disputarão a eleição presidenci­al em 2020. Em política externa, aproximar-se de um país não implica aliar-se ao governo local. O PT cometeu o mesmo erro, em relação à Venezuela.

Thomas Shannon, ex-embaixador americano em Brasília, reconheceu na quinta-feira, durante seminário no Instituto FHC, que Trump dá importânci­a à chance de estreitar a cooperação com o Brasil. O fato de Bolton ter passado pelo Rio para se encontrar com Bolsonaro, a caminho da reunião do G-20 em Buenos Aires, é prova disso.

Além da Venezuela, outra frente importante é a pressão para que a China obedeça às regras do comércio e da propriedad­e intelectua­l. Há interesses comuns e uma pauta bilateral carregada de questões a serem negociadas, no comércio e nos investimen­tos. Para que essa aproximaçã­o seja produtiva, é preciso que a Casa Branca valorize e leve a sério o Palácio do Planalto. E nisso os gestos contarão tanto quanto as palavras.

Para que relação seja produtiva, Casa Branca deve levar a sério o Palácio do Planalto

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