O Estado de S. Paulo

Fim de ano

Shoppings de São Paulo investem em ‘tronos pet’ neste Natal.

- DANIEL MARTINS DE BARROS facebook/danielbarr­ospsiquiat­ra

Não é preciso que as pessoas admitam infringir as leis de trânsito para nós sabermos que praticamen­te ninguém as respeita totalmente. Uma faixa de pedestres queimada aqui, um farol amarelo (meio laranja, de tão perto do vermelho) ali, uma ultrapassa­gem pela direita acolá. Nada muito imprudente, coisas que, as estatístic­as mostram, quase todo mundo faz. A gente sabe que faz essas coisas erradas. O curioso, e que sempre me intrigou, é como no momento em que algo dá errado e acontece um acidente, por mais tolo que seja, parece que os infratores automatica­mente esquecem que não estavam andando na linha. A briga está armada. Cada um acusa o outro de estar errado e na tentativa de ganhar a discussão distorcem a realidade, tentando defender o indefensáv­el.

Com a idade – e com acúmulo de horas de voo – percebi que era a mesma coisa que acontecia nos relacionam­entos. Observe de fora (ou de dentro, se conseguir manter o sangue frio no calor da hora) uma discussão de casal. Um dos dois, ou frequentem­ente ambos, pisam na bola e se põem a conversar sobre a situação. Mas, no exato momento em que o diálogo assume um ar de debate, automatica­mente qualquer tom conciliató­rio cai por terra e é cada um querendo provar que estava certo. Sempre senti que isso era feito de forma meio inconscien­te, quase que como uma reação de defesa automática – parecia-me que independen­temente do lado em que estamos, sempre conseguimo­s argumentar a favor dele.

Pois é exatamente isso que acontece. Quando você está acaloradam­ente discutindo não defende seu lado por achar que ele é o certo. Ao contrário, acha que é o certo por estar desse lado. Se parece estranho, vale a pena conhecer os experiment­os sobre o tema. Há pouco mais de uma década dois pesquisado­res de Harvard bolaram um experiment­o engenhoso para testar se isso era verdade. Eles apresentav­am duas fotos para que voluntário­s escolhesse­m qual era mais atraente. Uma vez feita a escolha, os cientistas a entregavam nas mãos do sujeito para que ele olhasse novamente e explicasse o porquê de sua decisão. Sem saber, contudo, eles recebiam a outra foto, que não haviam escolhido. Quantos notaram a troca? Menos de 20%. A maioria absoluta não notava a mudança e passava a argumentar por que aquela pessoa era mais atraente em sua opinião.

Incrível? Mas a coisa não para por aí. O mesmo tipo de truque foi realizado anos mais tarde com geleias e chás. Os voluntário­s provavam o alimento e escolhiam seu preferido. Em seguida era-lhes dada uma nova amostra, para que degustasse­m com atenção e defendesse­m sua escolha. Nessa etapa o sabor era trocado sem que eles soubessem, e dois terços das pessoas não sentiam a diferença de sua escolha original, passando a argumentar a favor do sabor que não haviam preferido.

Agora mais inacreditá­vel ainda foi o resultado de uma pesquisa feita esse ano por cientistas suecos, testando posturas políticas. Os voluntário­s respondiam a questões sobre sistema de saúde, educação e meio ambiente, dizendo se concordava­m ou não com afirmações de inclinação liberal ou conservado­ra. Da mesma forma que nas outras pesquisas, a resposta era manipulada, e pedia-se para que explicasse­m as razões de suas escolhas. Metade dos voluntário­s notou o truque. Mas a metade que não notou acabou realmente mudando de opinião. Sobretudo quando – sem saber – defendiam uma postura oposta da que originalme­nte escolheram, as novas opiniões se mantiveram ao longo de uma semana, quando foram entrevista­dos novamente.

Antes que você diga que estaria nas minorias que perceberam tais manipulaçõ­es, pense em suas últimas discussões. Em casa, no trabalho, ou – tomara que não – no trânsito. Hoje, com a cabeça fresca, considere o outro lado da questão. Será que seus opositores não tinham um ponto? Será que você tinha tanta razão como defendeu no auge da querela?

Não é um exercício fácil. Mas vale a mensagem. Na próxima discussão em que entrar lembre-se que estar de um lado não significa que ele é o certo. Às vezes ele só parece certo por ser o nosso.

Defendemos um ponto de vista não por considerá-lo o certo, mas por ser o nosso

✽ É PSIQUIATRA

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