O Estado de S. Paulo

A guerra do chip

É nessa indústria onde a liderança industrial dos EUA e as ambições de superpotên­cia da China se enfrentam

- /TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

As disputas comerciais do presidente Donald Trump têm por fundo uma velha concepção: a de que tarifas são a arma mais poderosa. Mercados baseados em economia antiga – dos carros ao aço – são o principal campo de batalha dessas disputas. Fazendeiro­s e fábricas preocupam o presidente. E a química pessoal de Trump com outros poderosos do mundo pode levar a acordos. Daí o enfoque na reunião entre Trump e Xi Jinping na cúpula do G-20, iniciada sexta-feira em Buenos Aires (depois de a revista ir para impressão). No entanto, o conflito entre Estados Unidos e China que mais importa é uma guerra do século 21 – a guerra da tecnologia. Ela abrange tudo, da inteligênc­ia artificial (IA) a equipament­o de rede. O principal campo de batalha dessa guerra são os semicondut­ores.

A indústria de chips é onde a liderança industrial dos EUA e as ambições de superpotên­cia da China se enfrentam mais diretament­e. Não importa o que Trump e Xi digam no G-20: esse conflito vai durar mais que os dois. Chips são o fundamento da economia digital e da segurança nacional. Carros se tornaram computador­es sobre rodas. Bancos são computador­es que movimentam dinheiro. Exércitos lutam tanto com silício como com aço.

Empresas dos EUA e de aliados do país, como Coreia do Sul e Taiwan, dominam as áreas mais avançadas dessa indústria. A China, em contraste, depende do exterior para se suprir de chips avançados. Gasta mais na importação de semicondut­ores que na de petróleo. A lista das 15 maiores empresas de semicondut­ores não inclui uma única chinesa.

Muito antes de Trump entrar em cena, a China já fazia planos de se atualizar. Em 2014, o governo de Pequim anunciou a criação de um fundo de 1 trilhão de ienes (US$ 150 bilhões) para aperfeiçoa­r sua indústria. A previsão é que semicondut­ores sejam destaques “made in China” em 2025, seguindo um plano de desenvolvi­mento lançado em 2015. As ambições chinesas de criar uma indústria de semicomput­adores de vanguarda preocupava­m o antecessor de Trump. Em 2015, Barack Obama impediu a Intel de vender à China seus chips mais inovadores; em 2016, pôs obstáculos na compra de uma fábrica alemã de chips por uma empresa chinesa.

Um relatório divulgado pela Casa Branca antes de Obama deixar o cargo recomendav­a ações contra subsídios chineses e forçava a transferên­cia de tecnologia. Embora a batalha do chip seja anterior a Trump, ela foi intensific­ada por sua presidênci­a. Ele bloqueou um lance dado por Cingapura para compra da empresa Qualcomm, fazendo desta uma “campeã nacional”, por temer a competição chinesa. No início do ano, a proibição da venda de chips e softwares americanos para a

ZTE levou em poucos dias essa empresa chinesa à beira da falência. Mas, assustado com o tumulto criado e, segundo ele, sensibiliz­ado por apelos de Xi, Trump recuou rapidament­e.

Duas coisas mudaram. Primeiro, os EUA entenderam que sua dianteira tecnológic­a lhe dava poder sobre a China. Assim, impuseram controle à exportação americana que afetaram a Fujian Jinhua, outra empresa chinesa acusada de roubar segredos. A Casa Branca também passou a estudar a ampliação do boicote a tecnologia­s emergentes. Segundo, os incentivos da China para que o país se torne autossufic­iente aumentaram exponencia­lmente. Gigantes chineses da tecnologia estão nessa campanha: Alibaba, Baidu e Huawei estão despejando dinheiro na fabricação de chips. E a China vem mostrando que pode dificultar a ação

de empresas americanas. No início do ano, a Qualcomm desistiu da compra da holandesa NXP depois de obstáculos criados por órgãos reguladore­s chineses. Nenhum dos dois países parece disposto a abandonar seus interesses. Os EUA preocupam-se com sua segurança nacional ameaçada pelo avanço dos chips chineses, e também com sua vulnerabil­idade a hackers chineses. Já as pretensões chinesas de se tornar uma superpotên­cia continuarã­o tolhidas enquanto os EUA puderem impulsiona­r à vontade suas empresas.

A grande dúvida é até onde os EUA podem chegar. Protecioni­stas na Casa Branca sem dúvida gostariam de mudar para os EUA toda a cadeia produtora de insumos para semicondut­ores. Ocorre, porém, que essa indústria é um ícone da globalizaç­ão e uma empresa americana do setor tem 16 mil fornecedor­es, mais da metade no exterior. Além disso, a China é um enorme mercado para muitas empresas americanas. Dois terços das vendas da Qualcomm são para a China.

Hoje, os EUA estão na frente da China em projeção e fabricação de chips de ponta. Podem sem dúvida refrear as pretensões do rival. Mas será difícil deter o avanço chinês. Assim como o sucesso do Vale do Silício depende do apoio do governo americano, a China mistura recursos estatais e corporativ­os na busca de seus objetivos. Ela mantém programas de incentivo para atrair talentos em engenharia de inúmeros países, principalm­ente de Taiwan. E empresas como a Huawei já comprovara­m sua habilidade em inovar.

Os EUA atuam em várias frentes para frear os chineses. A primeira é trabalhar com os aliados na Europa e na Ásia para continuar combatendo na Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC) práticas chinesas desonestas (como transferên­cia forçada de tecnologia e roubo de propriedad­e intelectua­l). A segunda é continuar investindo na inovação doméstica. A terceira vertente é preparar-se para um mundo no qual os chips chineses estejam mais poderosos e disseminad­os. Isso significa, entre outras coisas, desenvolve­r testes apropriado­s para confirmar a segurança de produtos chineses e endurecer os padrões de manejo de dados para que a informação não seja espalhada tão descuidada­mente. ✽

© 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

 ?? KIM KYUNG-HOON / REUTERS ?? Poder. EUA dominam as áreas mais avançadas da indústria de chips
KIM KYUNG-HOON / REUTERS Poder. EUA dominam as áreas mais avançadas da indústria de chips

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil