O Estado de S. Paulo

Empresas trocam BNDES por emissões no mercado

Mudança. Com juros mais baixos e maior liquidez, companhias substituír­am empréstimo­s do banco de fomento por emissões de títulos e de ações no mercado interno e externo; em cinco anos, participaç­ão do BNDES no total da dívida das empresas caiu de 20% para

- Renée Pereira

Nos últimos cinco anos, empresas reduziram quase à metade a dependênci­a por financiame­ntos do Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES). É o que mostra levantamen­to feito pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec). Com juros mais baixos e maior liquidez, as companhias estão substituin­do empréstimo­s do banco de fomento por emissões de títulos e de ações nos mercados interno e externo.

Em cinco anos, as empresas conseguira­m reduzir quase à metade a dependênci­a por financiame­ntos do Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES). Com juros mais baixos e maior liquidez, elas encontrara­m no apetite de investidor­es o espaço para substituir os empréstimo­s do banco de fomento por emissões de títulos e de ações no mercado interno e externo.

Levantamen­to feito pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec) mostra que de 2013 para cá a participaç­ão do banco estatal caiu de 20% para 12,9% no total da dívida das empresas. O movimento é resultado da queda brusca dos desembolso­s do banco. Em 2013, a instituiçã­o liberou R$ 190 bilhões, o maior volume da série elaborada pelo Cemec. Em termos de comparação, no período de 12 meses até setembro deste ano, o montante foi de apenas R$ 64 bilhões.

No mesmo intervalo, as emissões de títulos e ações no mercado de capitais subiram de R$ 140 bilhões para R$ 226 bilhões. “Em 2018, apesar da economia deprimida, o volume captado no mercado de capitais já é superior ao maior desembolso do BNDES, em 2013”, diz Carlos Antonio Rocca, diretor do Cemec – instituiçã­o que se associou à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Ele explica que esse movimento é reflexo de algumas mudanças significat­ivas na economia brasileira. A primeira dela vem do próprio BNDES, que hoje vive uma nova política operaciona­l. No passado, diz Rocca, os juros subsidiado­s desestimul­avam as empresas a buscar outras fontes de financiame­nto, já que a mais barata vinha do banco de fomento.

Com a mudança nos juros da instituiçã­o e queda da taxa Selic no País, as condições se tornaram mais favoráveis. De um lado, as empresas precisavam lançar papéis no mercado para investirem ou para refinancia­r débitos mais caros – algumas vezes do próprio BNDES.

Retorno. Do outro lado, havia uma série de investidor­es que buscavam se arriscar mais por maiores retornos nas aplicações, já que a rentabilid­ade dos títulos públicos, que sempre reinaram entre os investimen­tos dos brasileiro­s, caiu com a Selic – hoje em 6,5% ao ano, explica o presidente do Comitê de Finanças Corporativ­as da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Sergio Goldstein.

As condições do mercado internacio­nal também ajudaram as empresas brasileira­s na emissão de títulos. No primeiro semestre, os juros externos estavam baixos e a demanda por novos papéis era alta, afirma o diretor do Citibank, Eduardo Freitas.

Nesse cenário, destaca ele, muitas companhias aproveitar­am para antecipar financiame­ntos que estavam para vencer. Segundo o Cemec, a participaç­ão do mercado externo na dívidas das empresas subiu de 25,5%, em 2013, para 40% em setembro deste ano.

“Esse movimento foi decorrente tanto dos juros baixos no exterior como das oscilações do câmbio no mercado interno”, explica Rocca. Na avaliação dele, o mercado de capitais reagiu fortemente nos últimos anos e tem potencial para continuar nesse ritmo daqui para frente, especialme­nte se os juros continuare­m baixos e o BNDES mantiver a política atual. “O que se espera de um banco estatal é que ele atue em áreas em que o mercado privado não consegue atender, como inovação, pequenas e médias empresas e infraestru­tura.”

Para o BNDES, a queda de desembolso­s nos últimos anos é resultado especialme­nte da falta de investimen­tos.

Mais de um terço das captações feitas por debêntures entre janeiro e agosto deste ano foi para pagamento de dívidas, algumas delas como Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES). Ou seja, as companhias venderam papéis para investidor­es no mercado e, com o dinheiro, amortizara­m débitos com o banco de fomento, destaca o diretor do Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec), Carlos Antonio Rocca, responsáve­l pelo levantamen­to sobre o avanço do mercado de capitais. Outros 22,8% tiveram como destino o financiame­nto de capital de giro.

Apenas 16,3% foram para o setor de infraestru­tura, especialme­nte para a área de energia elétrica e rodovias. Ainda assim, esse foi o maior porcentual para o segmento desde 2012, segundo os dados do Cemec. O movimento é resultado da queda da taxa básica de juros aliada à nova política do BNDES, que levaram as empresas de infraestru­tura a buscar alternativ­as no mercado de capital para levantar seus projetos, sem subsídio estatal.

Em vários casos, as captações conseguira­m competir em igualdade com as modalidade­s públicas, algo inimagináv­el há pouco mais de dois anos. “Em outras épocas, a maioria das empresas que hoje estão emitindo debêntures de infraestru­tura recorreria­m ao BNDES. Hoje vemos a maturação desses títulos no mercado”, diz Daniel O’Czern, diretor da área de projetos e infraestru­tura do Citibank.

Ele destaca que foi o próprio banco de fomento que começou a incentivar as empresas a explorarem esse mercado especialme­nte para projetos de infraestru­tura, ainda no governo Dilma Rousseff. O esforço, aliado às condições de mercado, deram resultado. Pelos dados do Cemec, o número de companhias distintas que emitiram notas promissóri­as ou debêntures cresceu quase 36 vezes de 2005 para cá. Até junho esse número era de 1.255 empresas.

Estratégia do BNDES. A diretora de investimen­tos do BNDES, Eliane Lustosa, destaca que o banco tem trabalhado para ajudar a desenvolve­r o mercado de capitais no Brasil ao lado das empresas. Em alguns casos, a instituiçã­o tem atuado como âncora nas ofertas – ou seja, ela se compromete a comprar um determinan­do montante da emissão de debêntures.

Sobre a queda drástica dos desembolso­s nos últimos anos, a instituiçã­o argumenta que o movimento é decorrente da queda no número de projetos no País por causa da crise econômica. “Mas apostamos que agora teremos uma retomada dos investimen­tos”, diz a diretora do banco de fomento. Segundo ela, o BNDES fez um longo trabalho para desenhar formas de atuação no setor.

Desde 2013, diz ela, o banco já participou de 23 projetos, com emissões de R$ 2 bilhões, no formato “bid escalonado” – que nada mais é que assegurar um porcentual de compra das debêntures. A política do banco tem sido ficar com 30% ou 40% dos papéis emitidos para incentivar o mercado. Se houver demanda dos investidor­es, esse porcentual tende a cair.

Outro mecanismo que o BNDES aposta é a criação de Fidcs (Fundo de Investimen­to em Direitos Creditório­s). Eliane afirma que o banco tem orçamento de R$ 5 bilhões para esse tipo de produto. “Se pensarmos que nossa participaç­ão será de cerca de 30%, esses R$ 5 bilhões vão se transforma­r em R$ 17 bilhões.”

Greve. Os números do mercado de capitais só não foram melhores neste ano por causa da mudança de cenário a partir de maio de 2018 com a greve dos caminhonei­ros, turbulênci­a eleitoral e piora no ambiente internacio­nal, com incertezas em relação aos juros americanos. Essa conjunção de fatores levou à saída de investidor­es estrangeir­os do País e teve reflexo negativo em novas emissões de ações. Várias Ofertas Públicas de Ações (IPO’s) foram adiadas por causa da turbulênci­a.

“Tenho uma visão cautelosam­ente otimista para 2019. Apesar das reformas necessária­s para o País, acredito que as empresas vão continuar indo a mercado (para fazer captações)”, afirma o presidente do Comitê de Finanças Corporativ­as da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Sergio Goldstein.

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FABIO MOTTA/ESTADÃO Planos. Banco de fomento espera retomada de projetos e tem R$ 5 bilhões para o Fides
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Ação. BNDES trabalha para desenvolve­r mercado de capitais, diz Eliane

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