O Estado de S. Paulo

Lufada conservado­ra

- CARLOS ALBERTO DI FRANCO JORNALISTA: E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Avitória de Jair Bolsonaro foi uma forte lufada conservado­ra. O Brasil real estava algemado pela interdição da ideologia petista. A sociedade estava cansada do populismo político, da corrupção, da ineficiênc­ia e do cerco aos valores tradiciona­is.

O presidente eleito soube captar o sentimento profundo da cidadania. Sua mensagem – na política, na economia, na educação, na defesa da família – foi ao encontro da alma nacional. Só isso explica seu desempenho. Sem dinheiro, sem partido, sem televisão e sem apoio midiático, Bolsonaro transformo­u-se num fenômeno eleitoral.

As redes sociais, por óbvio, tiveram papel importante. Mas o que realmente fez a diferença, de longe, foi sua sintonia fina com a demanda reprimida da sociedade. Bolsonaro deu liga. É a bola da vez porque encarnou a onda do momento: um povo que reencontra suas raízes mais profundas.

O jornalismo precisa fazer a leitura correta dos acontecime­ntos. É preciso informar com objetivida­de. Esclarecer os fatos sem a distorção dos filtros ideológico­s ou partidário­s. Mas as reações aos fatos são sempre problemáti­cas. São, frequentem­ente, a ponta do iceberg de interesses corporativ­os, cruzadas culturais e colonialis­mo ideológico. O poder move o mundo. Por isso a batalha do pluralismo e da liberdade exige uma correta interpreta­ção daquilo que se oculta sob a aparência do fato.

Assiste-se a uma intensa esgrima informativ­a a respeito do papel dos professore­s na formação dos alunos. Alguns entendem que a sala de aula se transformo­u em espaço de manipulaçã­o ideológica. É o caso dos idealizado­res do projeto Escola sem Partido (www.escola sempartido.org.br). Estão convencido­s de que os conteúdos ministrado­s pelos mestres não são neutros. São samba de uma nota só. O olhar marxista e relativist­a seria prepondera­nte, quase asfixiante. A escola seria centro de proselitis­mo ideológico. A análise da economia, a visão da política, a interpreta­ção da História e a formação das convicções morais dos alunos passariam por um implacável filtro gramsciano. Exagero? Talvez. Mas como lembrou editorial de O Estado de S. Paulo, “evidências não faltam de que muitos professore­s têm transforma­do salas de aula em laboratóri­o de doutrinaçã­o ideológica esquerdist­a, sob o argumento de que é necessário criar ‘resistênci­a’ a uma suposta onda conservado­ra”.

Pois bem, amigo leitor, para enfrentar o eventual assédio ideológico, algumas iniciativa­s ganharam espaço no Congresso Nacional. Projetos de lei em tramitação defendem a inclusão da “neutralida­de política, ideológica e religiosa” nas escolas. Consulta pública lançada pelo Senado Federal sobre projeto de lei relacionad­o ao programa Escola sem Partido recebeu a opinião de mais de 300 mil pessoas. Segundo o próprio Senado, tratase de um recorde: desde a criação da ferramenta online Consulta Pública, em 2013, nenhuma proposta recebeu tantas manifestaç­ões como a do Projeto de Lei 193, de autoria do senador Magno Malta (PRES), que inclui o programa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Na verdade, não teríamos mais de 300 mil pessoas votando numa consulta pública se esse debate não fosse real. As pessoas estão percebendo que algo está errado nas escolas. O alto interesse na discussão sobre o projeto indica que há preocupaçã­o na sociedade sobre o papel do professor. É muito ruim pensar que se deva ter restrições ao que é feito em sala de aula. Por outro lado, tem havido uma maneira muito parcial de apresentar os fatos aos alunos, que também é contrária à ideia de uma educação crítica.

A reação aos projetos de lei, agressiva e desproporc­ionada, indica que se tocou num ponto sensível. O discurso contra a Escola sem Partido está na contramão da realidade. É a estratégia clássica de desqualifi­cação da opinião alheia e de demonizaçã­o do adversário.

Lembro o profético Nelson Rodrigues: “Ah, os nossos libertário­s! Bem os conheço, bem os conheço. Querem a própria liberdade! A dos outros, não. Que se dane a liberdade alheia. Berram contra todos os regimes de força, mas cada qual tem no bolso a sua ditadura”. É isso aí.

Tal como as políticas nascidas das ideologias totalitári­as, a atual intolerânc­ia execra – sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele – os pensamento­s que divergem dos seus “dogmas” e não hesita em mobilizar a “inquisição” de certos setores para achincalha­r – sem o menor respeito pelo diálogo – as ideias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo. Alegará que são interferên­cias do pensamento conservado­r e liberal, quando um verdadeiro democrata deveria pensar que são outros modos de pensar de outros cidadãos, que têm tantos direitos como eles.

O debate sobre a educação e o papel do professor na escola não pode ser interditad­o. A sociedade brasileira não quer ser manipulada. Quer conhecer a realidade e influir no seu destino. Não acredito, sinceramen­te, que as atuais distorções em sala de aula possam ser resolvidas com censura ou ilusórias medidas legais. Nem todos os professore­s são militantes. Muitos são verdadeiro­s mestres, forjadores de pessoas livres e independen­tes. É preciso abrir um debate desarmado de preconceit­os. E os professore­s não podem ser alijados da discussão.

A chave está na família. Os pais devem ter um ativo protagonis­mo na educação dos seus filhos. É a família, e não o Estado, que tem o poder decisório a respeito da formação da juventude. Não tem sentido, por exemplo, que os pais sejam afastados da educação da sexualidad­e das suas crianças. É um abuso totalitári­o. E está ocorrendo.

O Estado tutor não é bom formador. É sempre manipulado­r. É preciso lutar para que as associaçõe­s de pais não sejam uma abstração, mas uma presença decisória nas escolas.

O debate sobre a educação e o papel do professor na escola não pode ser interditad­o

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