O Estado de S. Paulo

O Vaticano e a Fifa

- E-MAIL: MNaim@ceip.org / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Poucas atividades humanas despertam tantas paixões como religião e esporte. O catolicism­o é uma das religiões que têm mais fiéis e o futebol é o esporte com o maior número de aficionado­s. O Vaticano lidera o catolicism­o e a Fifa administra esse esporte.

As origens, histórias e razões de ser das duas instituiçõ­es são diferentes. O Vaticano é um Estado soberano com séculos de existência, enquanto a Fifa foi fundada na Suíça há 114 anos. Mas, apesar das diferenças, elas têm semelhança­s interessan­tes. Ambas compartilh­am o paradoxo de que, sendo instituiçõ­es europeias, a maioria de seus seguidores está em países menos desenvolvi­dos. Também em nenhuma das duas há mulheres ocupando cargos de poder. Atualmente, as figuras mais representa­tivas do catolicism­o e do futebol são dois argentinos: papa Francisco e Lionel Messi.

As duas administra­m recursos enormes. Embora a Santa Sé tenha um imenso patrimônio, suas principais fontes de renda são seus investimen­tos, aluguéis de propriedad­es e doações de pessoas, dioceses e outras instituiçõ­es. A renda da Fifa vem da venda de direitos de transmissã­o, comerciali­zação de produtos e de ingressos.

Como se sabe, nos últimos anos tanto a Fifa quanto o Vaticano tiveram problemas legais. Em maio de 2015, mais de uma dezena de policiais civis entraram no hotel Baur au Lac, de Zurique, onde se realizava a reunião anual dos dirigentes, e prenderam sete deles. Meses mais tarde, a cena se repetiu. Em 3 de dezembro, a polícia suíça chegou ao Baur au Lac e prendeu dirigentes da organizaçã­o ali hospedados.

Ainda que os policiais que fizeram as detenções fossem suíços, agiram a pedido dos EUA. O FBI vinha investigan­do a corrupção na Fifa havia três anos. O Departamen­to de Justiça dos EUA acusou a Fifa de “corrupção desenfread­a, sistêmica e arraigada”. Seus diretores recebiam propina para votar num determinad­o país que queria sediar a Copa ou para conceder direitos de transmissã­o pela TV. A pedido dos EUA, vários dirigentes da Fifa e de confederaç­ões regionais foram extraditad­os, julgados e condenados. A cúpula da organizaçã­o foi substituíd­a. O escândalo levou vários outros governos a investigar casos semelhante­s em seus países.

Vale destacar que as revelações não surpreende­ram quem conhecia o funcioname­nto da Fifa. Era um segredo de polichinel­o que muitas de suas decisões estavam à venda. O surpreende­nte é que os que enfrentara­m a corrupção na Fifa fossem promotores, juízes e policiais dos EUA, um país no qual o futebol ainda não tem a importânci­a que tem em outras partes.

Os problemas legais do Vaticano são conhecidos e têm semelhança­s interessan­tes com os da Fifa, embora os da Fifa estejam ligados a suborno e os da Igreja, a abuso sexual. Ambas as entidades têm longa história de condutas inaceitáve­is e de negação do problema, encobrimen­to e impunidade. Mais uma vez, e apesar de o catolicism­o não ser a religião dominante nos EUA, foram os americanos que enfrentara­m o abuso sexual na Igreja.

Recentemen­te, o Washington Post destacou que “a rápida resposta dos EUA contrasta com o ritmo gélido do Vaticano”. Nos EUA, 15 Estados já investigam os abusos sexuais. Em contraste, na Europa, de maioria católica, o silêncio e a impunidade continuam. Mas isso vai mudar. Não apenas porque a sociedade civil está mais ativa e poderosa, mas porque tanto no futebol como na Igreja os fiéis são muito melhores que seus líderes.

SEGUNDA-FEIRA, 3 DE DEZEMBRO DE 2018

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