O Estado de S. Paulo

CSA CHEGA À ELITE GRAÇAS A UM QUASE JOGADOR

Presidente Rafael Tenório, empresário de sucesso, deixou de atuar no time, pois tinha de ganhar a vida

- Carlos Nealdo

Em 1973, o lateral-direito Rafael foi convidado pela diretoria do Centro Sportivo Alagoano (CSA) para assinar seu primeiro contrato como jogador profission­al. Prestes a completar 18 anos, seria a oportunida­de de jogar ao lado de ídolos como Zé Preta, Dida, Castanha e Soareste, os craques do time na época que ele via desde que passou a integrar as categorias de base do clube. Além disso, era a chance de tirar sua família da lama. A mãe, uma alagoana moradora do Mutange – bairro que abriga o estádio do Azulão, como é conhecido o CSA –, era catadora de sururu, um molusco que vive entranhado na lama da lagoa Mundaú.

Naquela época, o jogador tinha de escolher entre ser atleta profission­al ou ajudar sua família. “O salário de jogador não compensava. Por isso, a maioria tinha outra fonte de renda”, lembra Rafael. Jogador promissor, segundo seus colegas de time, Rafael desistiu do contrato. O dinheiro era curto e ele precisava contribuir em casa.

Mais de 40 anos desde a desistênci­a do contrato profission­al, Cícero Rafael Tenório da Silva, um dos empresário­s mais bemsucedid­os de Alagoas, dono de 11 empresas do setor atacadista, assumiu o comando do clube em 2015 e provocou um choque de gestão no CSA. O resultado é que, em apenas três anos, o time saltou da Série D para a Série A do Campeonato Brasileiro e passou a ser o primeiro clube do Brasil com três acessos nacionais seguidos. Em 2019, o CSA disputará a Série A depois de mais de três décadas.

A reviravolt­a na história do CSA começou após a eliminação do Campeonato Alagoano de 2015, pelo Coruripe. O CSA passava, naquele momento, a ser um time sem calendário esportivo, o que serviu para que os torcedores do Clube de Regatas Brasil – o CRB, campeão alagoano daquele ano – zombassem afirmando que o Azulão do Mutange era um time fora de série. “Fora de Série A, B, C e D”, brincavam os regatianos.

A eliminação do Campeonato Alagoano de 2015 provocou uma crise sem precedente­s no clube. Toda a diretoria renunciou ao comando, deixando os jogadores com três meses de salários atrasados, sem depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e sem nenhum centavo de recolhimen­to da contribuiç­ão para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Para tentar reverter a situação, empresário­s ligados ao clube e torcedores apaixonado­s pelo CSA lembraram do nome de Cícero Rafael Tenório da Silva. Quase ninguém se lembrava, no entanto, se tratar do mesmo homem que, 40 anos antes, tinha preferido trabalhar em vez de assinar seu primeiro contrato como jogador profission­al pelo CSA. O então ex-atleta passou de lateral-direito a comandante do time de maior torcida de Alagoas, enfrentand­o até então o que ele considerav­a o seu maior desafio.

“Quando cheguei ao CSA, a energia elétrica do clube estava cortada e não havia sequer bola e nem uniforme para treinament­o. O time estava literalmen­te quebrado, com a possibilid­ade concreta de desaparece­r do futebol”, relembra.

Tão logo assumiu a presidênci­a do clube, em 2016, Rafael Tenório tratou de mudar o estatuto do CSA, extinguind­o os 11 cargos de vice-presidente­s e limitando a diretoria a quatro cargos – presidênci­a, vice-presidênci­a-geral, superinten­dência de futebol e superinten­dência administra­tiva.

Além disso, o presidente levou seu conhecimen­to no empreended­orismo para provocar um choque de gestão no clube, cortando o que ele considerav­a vícios e vaidades da equipe. A única coisa que ele mantém em segredo é o aporte financeiro que fez no clube.

“Como você, jornalista, tem seu código de ética, eu tenho o meu”, diz para o repórter, seguido de uma gargalhada. “Ninguém saberá por mim quanto é folha (de pagamento) do CSA nem quanto é o salário de cada jogador”, completa. O fato é que a folha de pagamento do clube cresceu considerav­elmente desde que assumiu o CSA. Antes, a maioria do trabalho desenvolvi­do nos departamen­tos do clube era voluntária. Rafael Tenório fez questão de remunerar a todos. “Tirei todos os voluntário­s e levei toda estrutura jurídica das minhas empresas para dentro do CSA.”

Não foi um processo fácil, segundo Rafael Tenório. “O clube tem CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica). Ele tem balanço, tem passivo e tem ativo. Tem receita e tem despesa. Então tem de ser tratado como empresa. Não é uma ONG que vive de doações.”

Rafael Tenório aplicou processo de gestão empresaria­l baseado em três pilares: fazer mais com menos, aplicar custo e benefício e o ganhaganha, “ou seja, você me dá o que eu preciso e eu lhe devolvo aquilo que você merece”.

Para 2019, a diretoria já traçou as suas metas. “O primeiro objetivo será a permanênci­a na Série A. O segundo, é lutar por uma vaga na SulAmerica­na. E o terceiro, para não perder o foco, é pensar numa Libertador­es”, sonha Rafael Tenório. Para alguém que desistiu de assinar um contrato profission­al em troca de condições de vida melhores, não dá para duvidar do ex-lateral-direito Rafael. Afinal, as chuteiras que ele usa são feitas de sonhos.

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LUCA ERBES/FUTURA PRESS Recompensa. Com boa administra­ção e elenco eficiente, CSA se garantiu na Primeira Divisão ao ser vice da Série B

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