O Estado de S. Paulo

É temerário zerar a contribuiç­ão patronal

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

Noticia-se que a equipe econômica do novo governo estuda a retirada completa da contribuiç­ão patronal sobre a folha de pagamento, substituin­do-a por um imposto sobre a movimentaç­ão financeira (IMF). Atualmente, os empregador­es contribuem com 20% sobre o total dos salários, apenas para financiar a Previdênci­a Social. Há mais contribuiç­ões, como o seguro de acidentes do trabalho (alíquota de 0,5% a 6%), além de outras não previdenci­árias, como Salário-Educação, Sistema S, Sebrae e Incra. Tudo somado, os empregador­es pagam sobre a folha de salários contribuiç­ão de 26,3% a 31,8%. É uma carga elevada, e é válido estudar alternativ­as para reduzi-la. No entanto, zerar a contribuiç­ão patronal é uma temeridade.

Em primeiro lugar, como argumentou Bernard Appy, em excelente artigo publicado neste jornal na terça-feira 27/11, é necessário que haja conexão entre contribuiç­ão e benefício previdenci­ário. Idealmente, a contribuiç­ão total (empregador + empregado) deveria correspond­er ao custo de financiame­nto dos benefícios num hipotético regime de capitaliza­ção. Zerar a contribuiç­ão sobre a folha pode gerar arbitragen­s danosas ao equilíbrio financeiro do sistema. Suponha, num caso extremo, que não houvesse nenhuma contribuiç­ão para a previdênci­a. Isso, é claro, criaria forte estímulo para declarar salários bem superiores aos efetivos, num jogo em que empregador e empregado sairiam ganhando. Com a provável isenção de Imposto de Renda para a faixa de rendimento­s de até R$ 5 mil, prometida pelo novo governo, esse problema se agravaria ainda mais.

Em segundo lugar, há uma questão alocativa. O financiame­nto da Previdênci­a Social é, em essência, um custo do fator trabalho. Transferir esse ônus ao capital, por exemplo, tende a distorcer a alocação eficiente de recursos pelas empresas, com efeito negativo sobre a produtivid­ade da economia. A queda da produtivid­ade reduzirá o cresciment­o potencial do PIB e isso afetará negativame­nte o emprego. O novo equilíbrio macroeconô­mico, apesar do estímulo inicial à contrataçã­o de trabalhado­res, poderá se dar com menor nível de emprego, ao contrário do que se pretendia com a medida.

Em terceiro lugar, a contribuiç­ão patronal de 20% sobre a folha deverá arrecadar, em 2018, cerca de R$ 280 bilhões. Para obter tal montante de recursos com o IMF, sob a hipótese de que seu poder arrecadató­rio ainda é o mesmo do período 1997-2007, quando vigorou a CPMF, com taxas que variaram de 0,20% a 0,38%, seria necessário estabelece­r uma alíquota de 1,1%, segundo minhas estimativa­s.

Ocorre que essa hipótese, além de otimista, é irrealista. A evolução tecnológic­a, particular­mente a partir de 2007, foi espantosa. Ficou muito mais fácil e barato criar aplicativo­s e plataforma­s digitais para fugir do sistema financeiro. Com alíquota quase três vezes maior do que a máxima que chegou a ser aplicada no Brasil, o estímulo para se livrar desse imposto é ainda maior. Ou seja, é provável que o novo IMF, somente para compensar o fim da contribuiç­ão patronal sobre a folha, necessite de alíquota bem superior

Por se tratar de matéria muito polêmica, poderá consumir boa parte da lua de mel do início de governo

à minha estimativa inicial de 1,1%.

Os problemas gerados por um tributo sobre a movimentaç­ão financeira, principalm­ente com alíquota dessa magnitude, já são sobejament­e conhecidos: incentivos à verticaliz­ação da indústria; desinterme­diação financeira; efeito regressivo, uma vez que aumenta o preço final dos bens e serviços (incide em todas as etapas do processo produtivo), e os pobres consomem parcela maior de sua renda que os ricos; dificuldad­e de ser desonerado nas exportaçõe­s; entre outros.

Finalmente, por se tratar de matéria muito polêmica, poderá consumir boa parte da chamada lua de mel do início de governo, prejudican­do a aprovação, no Legislativ­o, de medidas mais relevantes, como a reforma da Previdênci­a.

ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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