É temerário zerar a contribuição patronal
Noticia-se que a equipe econômica do novo governo estuda a retirada completa da contribuição patronal sobre a folha de pagamento, substituindo-a por um imposto sobre a movimentação financeira (IMF). Atualmente, os empregadores contribuem com 20% sobre o total dos salários, apenas para financiar a Previdência Social. Há mais contribuições, como o seguro de acidentes do trabalho (alíquota de 0,5% a 6%), além de outras não previdenciárias, como Salário-Educação, Sistema S, Sebrae e Incra. Tudo somado, os empregadores pagam sobre a folha de salários contribuição de 26,3% a 31,8%. É uma carga elevada, e é válido estudar alternativas para reduzi-la. No entanto, zerar a contribuição patronal é uma temeridade.
Em primeiro lugar, como argumentou Bernard Appy, em excelente artigo publicado neste jornal na terça-feira 27/11, é necessário que haja conexão entre contribuição e benefício previdenciário. Idealmente, a contribuição total (empregador + empregado) deveria corresponder ao custo de financiamento dos benefícios num hipotético regime de capitalização. Zerar a contribuição sobre a folha pode gerar arbitragens danosas ao equilíbrio financeiro do sistema. Suponha, num caso extremo, que não houvesse nenhuma contribuição para a previdência. Isso, é claro, criaria forte estímulo para declarar salários bem superiores aos efetivos, num jogo em que empregador e empregado sairiam ganhando. Com a provável isenção de Imposto de Renda para a faixa de rendimentos de até R$ 5 mil, prometida pelo novo governo, esse problema se agravaria ainda mais.
Em segundo lugar, há uma questão alocativa. O financiamento da Previdência Social é, em essência, um custo do fator trabalho. Transferir esse ônus ao capital, por exemplo, tende a distorcer a alocação eficiente de recursos pelas empresas, com efeito negativo sobre a produtividade da economia. A queda da produtividade reduzirá o crescimento potencial do PIB e isso afetará negativamente o emprego. O novo equilíbrio macroeconômico, apesar do estímulo inicial à contratação de trabalhadores, poderá se dar com menor nível de emprego, ao contrário do que se pretendia com a medida.
Em terceiro lugar, a contribuição patronal de 20% sobre a folha deverá arrecadar, em 2018, cerca de R$ 280 bilhões. Para obter tal montante de recursos com o IMF, sob a hipótese de que seu poder arrecadatório ainda é o mesmo do período 1997-2007, quando vigorou a CPMF, com taxas que variaram de 0,20% a 0,38%, seria necessário estabelecer uma alíquota de 1,1%, segundo minhas estimativas.
Ocorre que essa hipótese, além de otimista, é irrealista. A evolução tecnológica, particularmente a partir de 2007, foi espantosa. Ficou muito mais fácil e barato criar aplicativos e plataformas digitais para fugir do sistema financeiro. Com alíquota quase três vezes maior do que a máxima que chegou a ser aplicada no Brasil, o estímulo para se livrar desse imposto é ainda maior. Ou seja, é provável que o novo IMF, somente para compensar o fim da contribuição patronal sobre a folha, necessite de alíquota bem superior
Por se tratar de matéria muito polêmica, poderá consumir boa parte da lua de mel do início de governo
à minha estimativa inicial de 1,1%.
Os problemas gerados por um tributo sobre a movimentação financeira, principalmente com alíquota dessa magnitude, já são sobejamente conhecidos: incentivos à verticalização da indústria; desintermediação financeira; efeito regressivo, uma vez que aumenta o preço final dos bens e serviços (incide em todas as etapas do processo produtivo), e os pobres consomem parcela maior de sua renda que os ricos; dificuldade de ser desonerado nas exportações; entre outros.
Finalmente, por se tratar de matéria muito polêmica, poderá consumir boa parte da chamada lua de mel do início de governo, prejudicando a aprovação, no Legislativo, de medidas mais relevantes, como a reforma da Previdência.
ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA