O Estado de S. Paulo

‘Precisamos de outras reformas em paralelo’

Economista defende mudanças no sistema tributário e na lei de falências simultânea­s à reforma da Previdênci­a

- Vinicius Neder/ RIO

A convite do futuro ministro da Economia Paulo Guedes, o economista Aloisio Araújo, da Fundação Getulio Vargas (FGV), fez uma apresentaç­ão, há duas semanas, para a equipe de transição e defendeu reformas microeconô­micas. Aos 70 anos, já foi professor visitante na Universida­de de Chicago, meca do pensamento econômico liberal onde Guedes e parte de seu time fizeram doutorado. Para ele, o novo governo deve aproveitar o capital político para, além da reforma da Previdênci­a, ajustar as regras de falência e o sistema tributário.

A conjuntura atual é favorável às reformas econômicas?

Acho que sim. Agora vem um governo com força, eleito. Vem com muito espaço para fazer reformas. É a hora de aproveitar e fazer reformas estruturai­s. Gosto de fazer referência ao México, que abriu muito a economia. Tem um livro recente, do Santiago Levy (vice-presidente do Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento, que trabalhou no governo mexicano de 1994 a 2000). O México fez várias coisas e o efeito não foi tão grande quanto o esperado. Fez gerência macroeconô­mica, com a inflação sob controle, abriu a economia com o Nafta, a taxa de investimen­to cresceu, tem mais capital humano do que antes, mas o cresciment­o foi pequeno comparado ao do Brasil.

Qual a lição do México?

O professor Timothy Kehoe, da Universida­de de Minnesota, escreveu um artigo, há mais de dez anos, comparando o Chile com o México. O Chile fez algumas reformas institucio­nais. Focou na lei de falências, por causa do crédito, pois as firmas podem crescer. O Levy fala algo parecido. O México tem má alocação de trabalho porque boa parte da força de trabalhado­res e do capital fica em firmas pouco produtivas. No caso brasileiro, foi feito estudo parecido.

O México falhou nas reformas microeconô­micas?

Falhou. O Brasil está até mais atrasado. Minha visão é que não se pode colocar toda a força política de início de governo só em alguns desses setores. A abertura econômica é importante, a privatizaç­ão também, mas a ideia é investir também na reforma de certas leis que estão para trás. O sistema tributário do Brasil é péssimo.

Sem reforma tributária, empresa pouco produtiva sobrevive? Esse é o diagnóstic­o para o México. Não se está liquidando essas firmas por causa da lei de falências. Há uma interação entre lei de falências e reforma tributária. Há firmas pequenas que ficam sem pagar impostos. Aí é uma confusão, porque o Fisco tem prioridade nas falências. A confusão tributária ajuda essas firmas a persistire­m.

O exemplo do México alerta para o fato de que a abertura comercial, sozinha, não resolve?

É para ter em mente que precisamos de outras reformas em paralelo. A abertura deve ser lenta, pausada. Fazendo as outras reformas dá tempo para as firmas ficarem mais produtivas. No Chile, foi feita uma abertura rápida e houve queda do emprego, mas lá havia um governo forte, que durou bastante (a ditadura militar liderada por Augusto Pinochet) e, eventualme­nte, a economia se recuperou e ficou muito eficiente.

Então as reformas devem ser feitas todas ao mesmo tempo? Essas reformas têm de vir já no começo, em paralelo. As privatizaç­ões são importante­s, mas tem 500 mil trabalhado­res nas estatais federais, enquanto há mais de 50 milhões de trabalhado­res em empresas informais ou semiformai­s. O impacto sobre a produtivid­ade é imenso. É possível fazer, tivemos a reforma trabalhist­a.

O sr. defende mudança na divisão da arrecadaçã­o entre União e Estados para ajudar na reforma tributária. Qual a ideia?

A redivisão, por si só, é boa. A reforma tributária não funcionou porque gera certo receio, justificad­o, do próprio governo de que pode perder recursos no curto prazo. Estados e municípios têm medo, pois toda vez que têm reformas perdem mais recursos. É preciso atuar para tirar esse receio.

Como?

Se houver reforma da Previdênci­a uma coisa que pode ser feita, como tem a lei do teto, que trava parte dos gastos federais, haverá espaço para transferir um pedaço dessa receita para Estados e municípios. Isso depois de estabiliza­r a dívida como proporção do PIB. Outro incentivo seria um imposto sobre transações financeira­s, temporário, que só seria acionado no caso de uma queda de receita do governo federal.

A atualizaçã­o da lei de falências, enviada ao Congresso pelo governo Temer, está adiantada? Houve avanços, mas falta avançar mais. A própria reforma tributária ajuda, pois desafoga o Judiciário. Falência tem de ter resolução rápida, se não os ativos ficam envelhecen­do.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Além da privatizaç­ão. ‘Ideia é investir na reforma de leis que estão para trás’, diz Araújo

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